COMUNICAÇÃO

Intervenções culturais e palestras sobre afeto e transparentalidade encerram o Seminário de Visibilidade Trans

27/01/2020 15:36 | Por Leilane Teixeira - estagiária, sob supervisão de Arthur Franco

E que nossa luz seja forte, forte para guiar nossos passos. E que nosso amor seja forte, forte como o nosso legado” diz um dos trechos cantados por Thaylor Mendes, mulher trans e ativista nas causas LGBTQI+. Mais do que cantar músicas, a apresentação de Thaylor foi uma das intervenções culturais que deu abertura ao segundo momento do Seminário de Visibilidade Trans, promovido pela Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA na sexta-feira, 24 (confira aqui como foi a programação no turno da manhã).

Com músicas próprias e outras não autorais, todas canções tinham algo em comum: transmitir o sentimento de luta, força e resistência pelo qual os públicos travestis e transexuais passam. As intervenções culturais também contaram com a performance artística de Fabiane Galvão.

Para a coordenadora de Direitos Humanos Eva Rodrigues, é necessário falar desse universo que ainda é desconhecido por muitas pessoas. “Costumo muito dizer que quando a gente atua com grupos vulnerabilizados, a gente costuma sempre pautar os anseios e a necessidade desse grupo para que a Defensoria Pública possa atuar. Falando como pessoa, sou uma mulher cis, heterossexual, e sei que estou em um lugar de privilégio, mas uso desse privilégio para me aliar, pois sei que estou em um espaço que me permite abraçar, ouvir as demandas e repercuti-las”.

A defensora ressaltou, ainda, que é a própria comunidade que pauta os assuntos que devem ser discutidos pela Defensoria. “Para nós é muito importante ouvir as demandas para que a gente saiba o que é fundamental e importante para a população. Aqui é um espaço deles e de todos. A gente se coloca como um parceiro na resistência e na luta para que os direitos sejam garantidos e ampliados”, pontuou Eva Rodrigues.

Seminários

A programação vespertina deu seguimento com a palestra Afetividades de, entre e para Pessoas Trans, que buscou compreender quais e como são as relações de afeto presentes e/ou ausentes no ciclo social de uma pessoa trans. Uma das personalidades que compôs a mesa, Raíssa Éris Grimm, que é poeta, transfeminista e Doutora em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina, levou algumas indagações como, por exemplo, a invisibilidade da letra T dentro da sigla LGBTQI+

“Quando eu falo da invisibilidade do ‘T’, é que não somos entendidos como pessoas e corpos que vivem histórias de afeto. Geralmente dentro da sigla LGBTQI+ as pessoas lésbicas, gays e bissexuais são as únicas que são pensadas dentro de uma perspectiva da afetividade e todas as outras, que compõem as outras siglas, estão numa visão relacionada apenas a patologia, dor, violência e morte. Nossas histórias de afeto, nossas histórias de amor, aquilo que a gente constrói de vida é algo que não tem sido contado. E aqui eu pude trazer essa possibilidade de pensar nossas existências para além da dor, que é um diálogo necessário”, explicou.

Ainda em debate sobre as relações de afeto, um outro assunto levado para discussão foi a transexualidade infantil. No discurso, feito pela professora adjunta na Universidade Federal do Paraná (UFPR), Megg Rayara Gomes, foi explicado sobre a infância universal, infância perigosa, exclusão e guetização, a educação como forma de combate a LGBTfobia e a pedagogia do insulto.

Megg, que teve que lidar sozinha na infância com os preconceitos e exclusão por se enxergar como mulher, ressaltou que as relações de afeto são cíclicas.  “Ao discutirmos as relações de afeto de uma pessoa trans, tem que se levar em consideração a infância dessa pessoa, porque é nessa época que tudo se inicia. Para eu entender todos esses marcadores que me interditam, eu precisei fazer toda essa viagem no tempo pensando na minha infância e analisando a infância de outras crianças”, ressaltou.

Em seu depoimento ela relata ainda que “as pessoas costumam tratar crianças como assexuadas e quando começam a reivindicar o direito de uma identidade de gênero que não está de acordo com sua anatomia biológica, ela passa por um processo de patologização, e essa reação pode trazer inúmeras consequências para a mente de uma criança”, pontuou.

Os assuntos debatidos não pararam por aí. O termo “Transparentalidade”, ainda pouco conhecido por muitos, também foi um dos temas discutidos na programação da tarde. A graduanda em Direito e pesquisadora em Estudos Trans e Travesti pelo Núcleo de Pesquisa e Extensão em Culturas, Gêneros e Sexualidades da Universidade Federal da Bahia (UFBA), esclareceu sobre o assunto.

“A gente já discutiu muito multiparentalidade, quando tem vários genitores na relação de cuidado com a criança, e de homoparentalidade, que são as parentalidades de casais homossexuais. Quando a gente tem uma pessoa trans envolvida nesse arranjo familiar, chamamos de transparentalidade. No meu caso, eu sou uma mulher trans, me relaciono com um homem trans, temos um filho e ele quem gestou a criança, mas ele é o pai e eu sou a mãe. Somos um casal transcentado e temos uma ralação transparental”, esclareceu.

Yuna ressalta que “é importante nomear esse tipo de relação especifica, porque se a gente não nomeia, não damos visibilidade, não se pensa políticas especificas. No campo do direito, por exemplo. Nós que estamos construindo novas parentalidades entre pessoas trans, estamos encontrando uma série de dificuldades, a exemplo de conseguir registrar o filho, já que os cartórios não estão preparados para entender a situação”, finalizou.

Feedbacks

Presente no seminário, o estudante Antônio Soares avaliou o evento de forma positiva. “Achei muito interessante tudo que foi abordado, principalmente porque estamos no mês da visibilidade e temos uma ascensão dessas pessoas que estão adentrando no universo acadêmico e adquirindo mais acesso a informações. Então, o poder público precisa mesmo se debruçar sobre isso e discutir nossas necessidades. A Defensoria é um órgão que sempre esteve muito ligado as minorias e com a promoção desses debates, fica a sensação de que podemos sim avançar em políticas públicas”, avaliou.

A primeira mulher transexual psicóloga de Salvador e servidora da DPE/BA, Ariane Senna, considerou o seminário como uma reafirmação de laços. “Foram mesas, profissionais e ativistas potentes. Tivemos convidados de diversos estados que pautaram assuntos incríveis, das mais variadas áreas. Pensamos fora da caixa, desmistificando o lugar de falar de travesti ou transexual relacionado somente a presença de doença, porque se a gente vai em outro seminário, muitas vezes falam só sobre isso – o que é importante, mas não somos só isso. Acertamos em fazer um espaço de formação política”, enfatizou.

Como servidora da DPE/BA, Ariane diz se orgulhar em fazer parte da instituição. “Eu acho muito bacana essa aliança da Defensoria com os movimentos sociais. Essa casa é realmente nossa. A instituição não segura a bandeira só por segurar, ela realmente faz e olha por nós. Não fazemos só mutirões, aqui há atendimento individualizado, há todo amparo e assistência”, finalizou

No dia 30 desse mês, a DPE/BA realizará também o IV Mutirão de adequação de nome e gênero. Saiba mais aqui.