COMUNICAÇÃO
Invisível no Carnaval: homem em situação de rua com ferimento grave aceita atendimento após abordagem da Defensoria
Edson foi encontrado pela equipe da DPE/BA com fome há seis dias, lesão em carne viva na perna esquerda e desabafou sobre o desejo de sair da rua
Quem transitou pelo circuito Dodô, em Ondina, durante o Carnaval 2023, pode ter se deparado com um senhor negro de cabelos grisalhos, longa barba, de meia altura, voz firme e conversa fácil para quem se dispôs a ouvi-lo e conhecê-lo um pouco mais. Essa é a descrição de Edson, nascido em dezembro de 1968, como fez questão de frisar – um homem em situação de rua atendido pela Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA durante a itinerância nos circuitos da folia soteropolitana.
A situação do senhor de 54 anos completos mostra aos soteropolitanos e ao Brasil que nem tudo é festa na capital baiana, ainda que seja Carnaval. Edson veio do Rio de Janeiro para a Bahia, onde vive em situação de rua há muitos anos e carrega uma extensa ferida em carne viva na perna esquerda fruto de um atropelamento.
“O carro passou por cima tem muito tempo. [A ferida] está assim tem muito tempo, às vezes pousa mosca, dá bicho. Eu futuco porque coça muito e também para me ajudar a ganhar uns trocados”, desabafou Edson enquanto era acompanhado em direção ao posto de saúde da avenida Milton Santos pela subdefensora-geral, Firmiane Venâncio, e pela defensora pública Eva Rodrigues, coordenadora da Especializada de Direitos Humanos, onde está situado do Núcleo Pop Rua da DPE/BA. “Só vou lá porque vocês estão indo comigo”, confessou.
No local, Edson foi atendido por uma equipe multidisciplinar composta, entre outros profissionais, por médicos, enfermeiros e assistente social. Esta última articulou junto ao Sistema Único de Assistência Social a abordagem social (processo de escuta qualificada de pessoas e famílias em situação de risco pessoal e social) para a busca de acolhimento institucional.
Tal abordagem foi acionada após o assistido compartilhar com Defensoria não apenas o seu desejo de sair das ruas, mas as condições de vida de quem não tem teto para morar, as situações de insegurança, de fome, entre muitas outras que vivencia cotidianamente. Apesar de tudo, foi categórico: “só vou ficar esperando [a abordagem social] se vocês ficarem aqui. Se forem embora, eu vou também”, relatou enquanto aguardava o serviço do Suas acompanhado das defensoras públicas, que trouxeram refeição e foram convidadas a acompanhá-lo durante o almoço.
Na visão da coordenadora Eva Rodrigues, a experiência mostra a importância da humanização das pessoas em situação de rua e da horizontalização das relações entre as instituições e os públicos com os quais se relacionam.
“Somos gente que trabalha com gente e, naturalmente, nos interessamos por suas histórias. E assim é quando atendemos pessoas em situação de rua: queremos saber das suas vidas. Uma escuta mais atenta, um bate papo olho no olho com Seu Édson foi o suficiente para conseguirmos levá-lo ao Posto de Saúde para receber o atendimento que necessitava”, refletiu a defensora pública.
Enquanto aguardava a chegada da equipe de abordagem social, Edson recebeu refeição e convidou as defensoras públicas para sentarem-se com ele. A subdefensora-geral relembrou que profissionais de outros serviços e setores relataram com admiração a habilidade de a DPE/BA estabelecer diálogo com o assistido.
“Nós estabelecemos uma conexão de confiança com Edson a ponto de ele nos pedir que não o deixasse sozinho em nenhum momento – de pedir que a colega Eva Rodrigues estivesse durante a realização do curativo, de pedir que eu sentasse com ele para que pudesse fazer sua refeição e fortalecer o seu laço de confiança com a Defensoria Pública”, compartilhou Firmiane Venâncio.
Para ela, é possível tirar grandes aprendizados do atendimento realizado neste domingo, válidos não apenas para a DPE/BA, mas para todas as pessoas que lidam com pessoas em situação de rua.
“Para mim, a maior lição é que nós não devemos jamais desistir de qualquer pessoa e de fazer o melhor para assegurar a sua dignidade. O nosso aprendizado é constante, devemos sempre direcioná-lo para as pessoas que mais precisam”, finalizou a subdefensora-geral.