COMUNICAÇÃO
JUAZEIRO – Justiça mantém pedido da Defensoria e determina instalação de programa de internação de adolescentes no município
Ação movida pela Defensoria já havia sido deferida em 1ª Instância; familiares buscaram a Instituição e relataram dificuldades financeiras para realizar visitas em cidades distantes
Está mantida pelo Tribunal de Justiça da Bahia a condenação do Governo da Bahia e da Fundação da Criança e do Adolescente – Fundac para que seja construída uma Comunidade de Acolhimento Socioeducativo (Case) e instalado um programa de internação de adolescentes em conflito com a lei no município de Juazeiro, que fica a 500 km da capital baiana. A decisão, que nega provimento ao recurso apresentado pelos réus, ratifica sentença dada em 1ª instância na Ação Civil Pública movida pela Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA contra o Estado e a Fundac.
O prazo para a construção ou instalação do programa de internação é de 60 dias, para o início das obras, e 12 meses para a conclusão. Há previsão de multa diária de R$ 10 mil, a ser revertida para o Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, em caso de descumprimento. Além disso, deverá ser instalada provisoriamente, em até 90 dias, uma entidade para o início dos atendimentos aos adolescentes.
Coordenador da 5ª Regional da DPE/BA e defensor público que ingressou com a Ação Civil Pública, André Cerqueira, afirma que a decisão é um exemplo de proteção dos direitos dos adolescentes privados de liberdade e que, pela primeira vez, um órgão de segunda instância do Judiciário reconhece a necessidade de descentralizar programas de internação no âmbito da Fundac.
“Hoje, o programa de internação se volta especificamente para Salvador e regiões próximas, desatendendo as comarcas do interior, que têm uma quantidade considerável de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa. A decisão, então, permite que o adolescente cumpra a medida próximo a sua residência, ganhando, com isso, todo o sistema socioeducativo”, explicou André Cerqueira.
A centralização dos programas de internação em Salvador e regiões próximas já havia sido identificada pela Defensoria Pública da Bahia no Relatório sobre o Perfil dos Adolescentes que Cumprem Medida Socioeducativa nas CASES de Camaçari, Feira de Santana e Salvador (CIA), lançado em 23 de novembro de 2021.
Em Salvador (CASE CIA), dos 46 adolescentes, 24 (ou seja, 52%) eram oriundos de outros municípios e estavam, em média, 392 km distantes de casa. Em Camaçari (CASE Irmã Dulce), entre os 47 adolescentes internados, apenas 5 (10,6%) tinham origem em Camaçari e os demais (42, ou seja, 89,4%) estavam há mais de 319 km de distância de suas famílias.
Em Feira de Santana, a CASE Mello Mattos abrigava 34 adolescentes internados. Destes, 19 (55,9%) eram da localidade, mas 15 (44,1%) eram de outros municípios cuja distância média era de 198,5 km. Também em Feira de Santana, a CASE Zilda Arns registrava 45 adolescentes internados, dos quais 31 eram do município (68,8%) e 14 (34,2%) de outros locais. Neste último caso, a distância média entre a CASE e a residência de origem era de 175 km.
Gastos com deslocamento impedem visitas de familiares
Conforme cresce a distância entre os municípios de origem dos adolescentes e os locais de cumprimento da medida socioeducativa de internação, aumentam também as dificuldades enfrentadas pelas famílias para realizar as visitas e fortalecer os laços entre ambos. É o caso de Maria*, cujo filho foi levado de Juazeiro para a CASE de Salvador há pouco menos de um ano e, meses depois, foi transferido para outro município.
Desempregada, sem dinheiro para arcar com os custos necessários para o deslocamento e sem parentes ou amigos para abrigá-la, visitar seu filho tornou-se uma difícil empreitada.
“É uma grande dificuldade para mim, pois o gasto é grande. Só com a passagem [de ônibus], gasto R$ 200. Fora a alimentação. E lá no município onde ele está, ainda preciso passar pelo sofrimento de chegar na rodoviária 5h30 da manhã e esperar, pelo menos, mais três horas para poder ir até o local, pois não tenho família na cidade, não conheço ninguém lá, não tenho onde ficar”, relatou.
Devido aos gastos da viagem, Maria contou que só conseguiu visitar seu filho duas vezes em Salvador e uma vez no segundo município. Com isso, na grande maioria das vezes, o adolescente não vê seus familiares nos períodos de visitas.
“Tudo isso está sendo um sofrimento. Se aqui em Juazeiro tivesse uma unidade de internação, uma casa para receber os adolescentes, acho que nem eu e nem todas as outras mães estariam passando por isso, de chegar o dia da visita e não podermos ver nossos filhos. É uma realidade triste tanto para mim, que não posso ir até ele, quanto para o meu filho, que está sozinho”, desabafa.
O defensor público André Cerqueira destaca que tais dificuldades são relatadas por todas as famílias assistidas pela DPE/BA em Juazeiro que têm adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas de internação.
“São famílias pobres, com alto índice de vulnerabilidade, o que as impede de fazerem visitas aos seus filhos, sobrinhos e netos. Durante a pandemia, a Fundac criou a possibilidade de visitas remotas, mas o adolescente quer o abraço, quer receber o amor de seu pai, de sua mãe, da sua esposa. E ver apenas por uma câmera torna o processo extremamente doloroso”, explicou André Cerqueira.
Sobre a decisão do TJBA, o coordenador da 5ª Regional da Defensoria explicou ainda que, embora a decisão vise à implementação de um programa de internação em Juazeiro, todas as cidades circunvizinhas serão beneficiadas; que poderá gerar impactos em outras localidades com contingente populacional significativo e que não dispõem de unidades de internação.
O recurso julgado pelo Tribunal manteve ainda a decisão da 1ª Instância no sentido de determinar a seleção de equipe técnica multiprofissional com psicólogos, assistentes sociais, educadores e diversos profissionais, além de prever a realização de concurso público para a seleção definitiva dos profissionais.
Descentralização do atendimento socioeducativo da Bahia
A regionalização e a territorialização estão previstas nos objetivos do Eixo de Qualificação do Atendimento Socioeducativo, existente no Plano Estadual de Atendimento Socioeducativo da Bahia. O documento foi lançado em 2015 para nortear a gestão do atendimento socioeducativo no Estado, realizado atualmente pela Fundac, no intervalo de dez anos consecutivos, a ser encerrado em 2024.
Para viabilizar a descentralização, está entre as metas a construção e implantação de sete unidades socioeducativas masculinas de internação, sendo duas em Salvador e uma em cada uma das seguintes cidades: Juazeiro, Itabuna, Vitória da Conquista, Barreiras e Teixeira de Freitas.
Uma unidade de internação provisória masculina em Salvador também está prevista, além de oito Núcleos de Atendimento Integrado – NAIs, sendo um em cada município: Salvador, Itabuna, Vitória da Conquista, Juazeiro, Barreiras, Teixeira de Freitas, Feira de Santana e Camaçari.
Ainda de acordo com o eixo de Qualificação do Atendimento Socioeducativo, a regionalização e territorialização prevê ainda a reforma e manutenção da sede administrativa da Fundac; a desativação da CASE Salvador; além da ampliação, reforma e manutenção das unidades socioeducativas CASE Salvador Feminina, além das demais CASEs (CIA, Irmã Dulce, Zilda Arns e Juiz Melo Matos).