COMUNICAÇÃO
Júri Simulado – 165 anos depois, Greve Negra dos escravos de ganho na Bahia vai a júri popular na quarta, 23
Negros que movimentavam o sistema de transporte em Salvador pararam por causa de uma lei racista em 1857. Muitos foram castigados pela insubordinação e, 165 anos depois, a Defensoria oferece a oportunidade de defesa simbólica aos primeiros grandes grevistas da Bahia
Pouco mencionada enquanto fenômeno da escravidão, a Greve Negra dos ganhadores na Bahia (1857) – considerada a primeira greve geral de um setor essencial da economia urbana na América Latina – vai a julgamento popular na quarta-feira, 23 de novembro, no auditório do Sindicato dos Bancários da Bahia, localizado na Avenida Sete de Setembro, em Salvador.
Em mais um evento da série Júri Simulado – Releitura do Direito na História, a Defensoria Pública da Bahia desta vez garante defesa aos ganhadores: negros escravizados, libertos ou livres que faziam o transporte de todo tipo de carga na capital baiana.
De cartas a tonéis de bebidas alcoólicas e até a pessoas em charretes, liteiras e cadeirinhas de arruar. Os “negros de ganho” movimentavam o comércio soteropolitano no século XIX. Mas em 1º de junho de 1857 essa classe trabalhadora, formada, por exemplo, por escravos que buscavam comprar a sua alforria, decidiu parar.
O termo “negros de ganho” remete aos trocados que ganhavam para transportar. No caso dos escravizados, o ‘ganho’ era do escravizador, só embolsavam algo se o pagante fosse generoso e o valor extrapolasse o combinado com o patrão. Um dos estudiosos do assunto, o historiador João José Reis, calcula que poderiam levar de 8 a 10 anos para comprar a alforria com o valor do ‘ganho’.
Após o Júri, que começa a partir das 14h de 23 de novembro, haverá palestra sobre a Greve Negra com a professora de História Mona Lisa Nunes de Souza, mestranda em História Social pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Ninguém se move
Nenhum ganhador foi às ruas naquele 1º de junho. O motivo do “dia em que Salvador parou” foi uma lei municipal determinando que a partir daquela data os ganhadores do sexo masculino precisariam pagar um imposto de serviço; pagar por um tipo de licença para “ganhar”; e também por uma placa de metal que deveriam colocar em seus pescoços durante o trabalho, com a numeração de matrícula – como se fosse a chapa usada em carroças.
Tachados de desordeiros e barulhentos – em virtude das músicas que cantavam enquanto trabalhavam – e alvo de acusações por furtos e outros delitos nos comércios, também precisariam pagar a um responsável “idôneo” para ser o seu “fiador” e atestar o seu comportamento. Com o racismo escancarado na época, isso significava pagar a um branco. A lei foi interpretada por eles como uma associação dos negros a animais.
E é por causa desta greve silenciosa, que afetou o sistema de transporte e a mobilidade urbana dos soteropolitanos por 12 dias, e pelas insubordinações durante as negociações – que renderam vexações e castigos físicos aos negros – que os ganhadores serão julgados simbolicamente pelo Júri Popular.
Júri da greve negra
Neste evento da série, três membros da Defensoria da Bahia compõem o plenário do júri: a defesa será feita pelo defensor público Henrique Alves; a acusação, pelo defensor Rodrigo Rocha Meire; e o papel de juíza, pela defensora Diana Furtado Caldas. Serão sorteadas pessoas da plateia para compor a mesa dos jurados, que irão ouvir a argumentação da defesa e da acusação e votar para a absolvição ou a condenação do fato histórico em julgamento. Assim como um júri popular real, os resultados podem acabar sendo imprevisíveis, pela característica democrática e de livre convencimento dos jurados.
Organizado pela Escola Superior da Defensoria da Bahia (Esdep), o evento é gratuito e tem como público-alvo estudantes do ensino Fundamental, Médio e Superior; estagiários(as) da Defensoria da Bahia; defensoras e defensores públicos, além de demais integrantes de carreira jurídica; estudantes e professores de áreas das Ciências Humanas, como Direito, História, Serviço Social e Sociologia; sociedade civil organizada, com interesse em movimentos sociais e direitos das minorias; além de operadores do Direito em geral.
Série
A série “Júri Simulado – Releitura do Direito na História”, é realizada pela Defensoria da Bahia desde 2016, e se propõe a resgatar a trajetória de personagens que fizeram parte da história local, regional e nacional, dando a eles o direito de exercer a prerrogativa legal e constitucional de todo acusado: o contraditório e à ampla defesa.
De autoria do atual defensor público geral, Rafson Ximenes, da defensora pública Eva Rodrigues e do defensor público Raul Palmeira (in memoriam), o projeto já levou para o banco dos réus nomes como Luiza Mahin (2016), Zumbi dos Palmares (2017), Índio Caboclo Marcelino (2018), Lei Áurea (2018), Cuíca de Santo Amaro (2018), Carlos Marighella (2019), Lucas da Feira (2019), Manuel Faustino – Revolta de Búzios (2019) e a Lei de Cotas (2021). Após o júri, é realizada uma palestra sobre a história do personagem e também sobre os temas ligados a ele.
SERVIÇO
O que: Júri Simulado – Greve Negra de 1857
Quando: 23 de novembro (quarta-feira), a partir das 14h. O evento é gratuito e terá transmissão simultânea pelo Youtube
Onde: Auditório José Mutti de Carvalho, Sindicato dos Bancários da Bahia, Avenida Sete de Setembro, nº 1001 – Salvador(BA)