COMUNICAÇÃO
Júri Simulado: Defensoria resgata história e absolve poeta Cuíca de Santo Amaro das acusações
Quinta edição do projeto foi realizada na cidade de Santo Amaro e lotou o Teatro Dona Canô
“Eu sou um artista e minha tarefa é transformar tudo que vejo em arte e difundir as notícias para que elas cheguem até às pessoas. Que culpa eu tenho, por exemplo, se um ‘cara’ pula a cerca? Tenho que noticiar. Se falar a verdade é crime, prendam-me, sem piedade”. Quase 55 anos depois de sua morte, as palavras do repórter-trovador e cordelista José Gomes, mais conhecido como Cuíca de Santo Amaro, ainda ecoam pela Bahia e, finalmente, ele agora poderá descansar em paz: na manhã desta quinta-feira, dia 6, a Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA promoveu mais uma edição da “Série Júri Simulado – Releitura do Direito na História” e, como resultado final do julgamento, o “língua solta” foi absolvido de todos os crimes que foi acusado enquanto vivia.
Se Cuíca nasceu e viveu em Salvador, mas adotou Santo Amaro inclusive em seu nome, não tinha outra cidade para ser palco desta quinta edição do Júri Simulado. Com o Teatro Dona Canô lotado, a Defensoria promoveu uma verdadeira aula de história, direito, conhecimento, cultura, arte e música aos santo-amarenses e permitiu que Cuíca tivesse a oportunidade de exercer a prerrogativa de todo acusado, que é ter o direito ao contraditório e à ampla defesa. “O réu está sendo julgado pelos crimes de injúria, calúnia, difamação, ameaça, extorsão e constrangimento ilegal”, enumerou a defensora pública Ana Carolina Viana de Castro, que fez o papel de juíza.
“Crime ou liberdade de expressão?”
O julgamento começou com o sorteio de sete pessoas que estavam na plateia e que fariam parte do Conselho de Sentença. Em seguida, foi a vez da acusação – interpretada pela defensora pública Carina Góes – e da defesa – feita pela defensora pública Fernanda Dourado – fazerem perguntas e argumentações. “Cuíca é temido porque desnuda a verdade, coloca o dedo na ferida. Contar tudo que acontecia era um crime ou liberdade de expressão? Será que eram inverdades ou verdades que não podia ser ditas?”, indagou a defensora pública Fernanda Dourado, que atua na unidade da Defensoria em Santo Amaro.
Enquanto as argumentações eram feitas, o réu “dava um show à parte de caras, bocas e gestos”, como disse um dos estudantes que assistiram ao júri, e fazia a plateia voltar no tempo e conhecer, de verdade, quem foi o Cuíca de Santo Amaro. “Quem não conhecia ele, como eu, ficou conhecendo”, contou a estudante Milena Oliveira, enquanto elogiava a interpretação do ator Cristovão da Silva, que é natural de Santo Amaro e fez o papel de Cuíca.
Após a sustentação da acusação e da defesa e da exposição de todos prós e contras que ‘pesavam’ sobre o réu, a juíza abriu a votação entre os jurados e proferiu a sentença. “Absolver é livrá-lo de qualquer pena e o senhor está absolvido”, sentenciou a juíza, arrancando palmas da plateia. “Eu sou Cuíca de Santo Amaro, eu sempre fui e sou o tal. É por causa de minha audácia que eu ando perseguido. Eu sou o povo e sempre serei. Se o júri é meu e eu fui absolvido, deixa eu dar um abraço no meu povo”, comemorou, enquanto descia do palco e abraçava o público.
Arte e conhecimento
Um dos autores do projeto do Júri Simulado, o subdefensor público geral, Rafson Ximenes, agradeceu a presença do público, em especial o repentista Bule-Bule, o poeta José Carlos Capinan, o compositor Roberto Mendes e os estudantes e professores, e destacou o objetivo da série. “É uma alegria para nós, da Defensoria Pública, quando este projeto sensibiliza e traz a presença de pessoas tão importantes para a cultura da Bahia e do Brasil. A ideia desta Série é trazer a educação em direitos e da cultura popular para todos os moradores das cidades da Bahia, através do resgate da história de personagens tão importantes e mostrando como funciona um julgamento penal”, explicou o subdefensor-geral, que assina a autoria do projeto com a coordenadora da Especializada em Proteção aos Direitos Humanos da DPE/BA, Eva Rodrigues, e o defensor público Raul Palmeira, que atuou durante muito tempo no Júri.
Se o tema desta edição era arte e cultura, a segunda parte do evento contou com a palestra cantada do repentista Bule-Bule, que lembrou Cuíca e contou diversos casos do cotidiano através dos seus versos. “Será que é pecado falar de corrupção e reclamar do preço do feijão? Santo Amaro foi escolhida por Cuíca, meu irmão”, cantou o repentista.
Próxima edição
A próxima edição do Júri Simulado será realizada em fevereiro de 2019 e, desta vez, quem estará no banco dos réus é o político revolucionário baiano e fundador da Ação Libertadora Nacional, Carlos Mariguella, que será julgado pelos atos praticados durante o Regime Militar de 1964.
Confira os vídeos das edições anteriores do Júri Simulado:
2ª edição – Zumbi dos Palmares
3ª edição – Índio Caboclo Marcelino
4ª edição – Lei Áurea (ainda não disponível)