COMUNICAÇÃO

Justiça concede liminar para desativação da carceragem da delegacia de Santo Antônio de Jesus

18/03/2015 15:26 | Por

A juíza Maria Cláudia Sales Parente, da 2ª Vara de Feitos de Rel de Cons. Cível e Comerciais, da comarca de Santo Antônio de Jesus, concedeu limiar à Ação Civil Pública interposta pela 6ª Regional da Defensoria Pública da Bahia, com sede naquela comarca. Na ACP, os defensores públicos Maurício Moitinho e Murillo Bahia Menezes acionam o estado da Bahia, como réu, e solicitam a transferência de todos os custodiados que se encontram nas carceragens da Delegacia de Polícia de Santo Antônio de Jesus e o impedimento de que novos venham a ser custodiados naquela unidade.

Além da transferência dos presos, também é pedida a demolição da custódia, aquisição de carro-cela para garantia do transporte de presos custodiados no Presídio de Valença, bem como a retirada de sucatas de veículos, caça-níqueis, motocicletas e outros entulhos. O documento requer, ainda, a antecipação dos efeitos da tutela para que seja determinada a proibição de abrigamento de novos presos pela referida delegacia.

A juíza acatou a alegação de que o estado de insalubridade em que se encontra a delegacia representa uma sistemática violação dos direitos humanos das pessoas que ali se encontram encarceradas.

Citando o disposto no art. 5º, II e XLIX, da Constituição Federal, que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante e é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral, constata-se pelos autos, "que esses direitos fundamentais vêm sendo violados pelo Estado da Bahia, que mantém a Delegacia de Santo Antônio de Jesus em condições insalubres".

Na ACP foram anexados relatórios técnicos, realizados pela Secretaria de Saúde, Vigilância Sanitária e Ambiental de Santo Antônio de Jesus, Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA-BA), contemplados no despacho da juíza. De acordo com o laudo da Vigilância Sanitária, "a carceragem encontra-se em situação de completo e absoluto caos higiênico-sanitário. As salas de recepção/triagem dos detidos possuem mobiliário (armários, mesas e cadeiras) sem condições de uso, no local encontram-se objetos pessoais (roupas, papeis etc.) espalhados pelo chão juntamente com lixo e restos de material de construção, e as luminárias tem fiação exposta."

O documento comprova que "a cela do corredor, destinada aos detidos recém-capturados, ou aos que, por motivos de segurança, não podem ser encarcerados com os outros, não dispõem de iluminação natural, ou artificial, tem sua latrina suja, acúmulo de lixo, paredes com infiltrações, não tem beliches e foram encontradas fezes de ratos. Segundo relatos dos agentes de Polícia Civil ocorrem alagamentos neste local quando chove".

A situação de outras dependências também é descrita pelo lauto: "Todas as celas do pavilhão 1, que está desativado, estão com infiltrações, esgotamento sanitário obstruído, presença de fezes de ratos, de baratas, muito lixo espalhado, latrinas danificadas e sem chuveiros. O esgotamento obstruído faz com que não haja escoamento da água que sai do encanamento onde seriam os chuveiros, alagando as celas todas as vezes que os detentos tomam banho ou dão descargas. O mau cheiro é forte em todo o ambiente, a umidade das celas é elevada e a ventilação e iluminação natural são precárias"

O documento do CREA-BA segue na mesma linha, reforçando a situação já apontada pela Vigilância Sanitária. "Conclui-se que apresenta urgente necessidade de reforma geral, visto que vem sendo submetido à excessiva umidade e intempéries resultantes da ação de agentes externos, provocados pela ação do tempo de uso prolongado sem manutenção adequada e periódica, resultando num processo de deterioração do imóvel, criando com isso um meio insalubre que tem contribuído para uma situação de risco e, nas condições em que se encontra a edificação, resultará em possíveis prejuízos materiais e danos à integridade física das pessoas que o utilizam".

A juíza ainda acrescenta o interrogatório de um dos custodiados daquela delegacia. Segundo seu depoimento, disse "que quando foi preso ficou custodiado na carceragem da Delegacia de Santo Antônio de Jesus por dois dias; que para esta audiência, veio para Santo Antônio de Jesus na quarta-feira, ficando custodiado no mesmo local; que as condições da carceragem da Delegacia de Santo Antônio de Jesus são horríveis; que os custodiados têm que fazer as necessidades nas marmitas e jogar para o pátio; que há ratos de mais de 20 cm".

Os policiais que trabalham naquela unidade também estão sendo submetidos a este ambiente degradante. Os defensores públicos destacam que a ACP visou também preservar a saúde e as condições de trabalho dos agentes policiais que atuam na 4ª COORPIN de Santo Antônio de Jesus. Ressalte-se que os documentos oferecidos pela Defensoria demonstram que a situação de insalubridade vem perdurando desde 2012, sem que nenhuma medida tenha sido adotada até a presente data.

A decisão tem o seguinte teor:

"Ante o exposto, presentes os requisitos autorizadores da medida, na forma do disposto nos arts. 273 e 461, do Código de Processo Civil, CONCEDO LIMINARMENTE A TUTELA ANTECIPADA, para determinar que o réu:

a) Se abstenha de abrigar pessoas na Delegacia de Polícia de Santo Antônio de Jesus, enquanto não for realizada reforma no imóvel, para que apresente condições adequadas para a finalidade a que se destina;

b) Adote as medidas necessárias para que os presos em flagrante, após a lavratura do auto de prisão em flagrante, sejam imediatamente encaminhados a outras unidades prisionais;

c) Adote as medidas necessárias para garantir a condução dos presos provisórios para participarem de audiências criminais no fórum local, reconduzindo-os no mesmo dia para a unidade prisional de onde vierem;

Tudo sob pena do pagamento de multa diária no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais)."

Para os defensores que ajuizaram a ACP, "em um Estado Democrático de Direito, felizmente, o Judiciário goza de independência necessária para fazer valer os direitos fundamentais previstos na Constituição, principalmente quando violados pelo próprio Estado através do Poder Executivo, sem que isso represente uma afronta à separação dos poderes. Ao contrário do que alguns advogam, o Judiciário não está assumindo o papel de Administração Pública, mas cumprindo sua função precípua ao ordenar que Executivo pare de violar a Constituição".

"É preciso que o Estado enfrente, de uma vez por todas, a crise do sistema carcerário baiano e assuma as suas responsabilidades. Essa não é uma situação exclusiva de Santo Antônio de Jesus. É necessária a adoção de políticas públicas efetivas nessa área, fazendo cumprir Lei Penal sem que para isso garantias e direitos fundamentais previstos na Constituição sejam desrespeitados. Não é porque um cidadão está sendo acusado infringir a lei que o Estado pode violar sistematicamente ou negligenciar a proteção aos seus direitos. O fato de uma pessoa responder a um processo criminal não lhe retira a condição de ser humano titular de direitos", destacam os defensores.