COMUNICAÇÃO
Moradores de rua conseguem documentação para trabalhar em obra da Fonte nova
"Eu não me sentia inserido verdadeiramente na sociedade, sem documentos eu não era ninguém, até mesmo quando havia qualquer abordagem policial eu não tinha como me identificar como cidadão". Esse depoimento é de Elísio da Silva, 43 anos, um dos sete moradores de rua da capital, que conseguiram obter, através da atuação da Defensoria Pública do Estado da Bahia, suas documentações, como carteira de identidade, CPF, certidão de nascimento, entre outros, e serão contratados para trabalharem como ajudante de produção na construção do novo Estádio da Fonte Nova. Esse resultado é fruto de periódicas reuniões da Defensoria com o Movimento de População de Rua, a fim de buscarem novas formas de acolhimento dessas pessoas, que somam hoje na capital cerca de quatro mil.
Ao enfrentarem dificuldade em participar do processo seletivo por não possuírem documentos, representantes do Movimento, situado no Pelourinho, procuraram a Especializada de Proteção aos Direitos Humanos da Defensoria, que conseguiu, através de ofícios encaminhados à Secretaria de Serviços Públicos, Cartório de Registro, Receita Federal e à Junta Militar, que fossem emitidos documentos, como certidão de nascimento, carteira de identidade, cadastro de pessoa física (CPF), carteira de reservista, dentre outros, o que possibilitará a inserção dos moradores de rua no mercado de trabalho da construção civil, a exemplo do Projeto Arena Salvador, com o fito da construção da Fonte Nova.
"Esses documentos servirão, além da contratação para trabalhar na Nova Arena, para que possamos nos identificar, podermos tirar antecedentes criminais, e nos apresentarmos como cidadãos dignos de direitos", contou Vânio Borges, secretário do Movimento População de Rua. "Os moradores de rua têm grande dificuldade de conseguir essa documentação e, por eles não terem onde morar, perdem os documentos com muita facilidade. Eles precisam da documentação básica para não sofrerem preconceitos em alguns atendimentos, a exemplo dos postos de saúde. E essa iniciativa vai servir para outras oportunidades", disse a defensora pública, Eva Rodrigues, que acompanha a ação. "A atuação da Defensoria Pública foi fundamental, pois agora estas pessoas terão oportunidade de trabalhar e viver com o mínimo de dignidade", completou.
Para Elísio Pereira da Silva, ter a documentação em mãos e poder trabalhar é sinônimo de ter nascido novamente. "Eu tenho pressa em começar, estou ansioso, foram muitos anos parado e de luta para sobreviver", contou emocionado, lembrando que antes de conseguir sua documentação e entrar para o mercado de trabalho, não podia alugar uma casa ou quarto para morar, situação que vai mudar de agora em diante. "Imagine que agora eu vou ter salário, vou poder constituir uma família sem ter que me preocupar se vai faltar comida para meu filho", contou esperançoso o rapaz que já está em fase de contratação.
De acordo com Elísio, o momento é também de se reaproximar de sua família que não vê há mais de vinte anos (20). "Isso vai ser uma de minhas prioridades depois que receber o primeiro salário. Eu vou poder procurar minha mãe, tê-la por perto e chamá-la como 'mãe mesmo'", disse emocionado. De acordo com a história de vida contada, seu pai era alcoólatra, muito violento. Quando Elísio ainda era garoto, seus pais se separaram, mas sua mãe se casou novamente levando outro rapaz para dentro de casa. "Eu não me dava bem com meu padrasto, a gente brigava muito", disse se referindo ao motivo de ter saído de casa aos 19 anos, quando já havia servido ao exército.
Segundo Maria Lúcia Pereira, coordenadora do Movimento População de Rua, a partir de agora essas sete pessoas vão ter outro tipo de vida, não serão mais considerados excluídos da sociedade e terão algum tipo de visibilidade. "São vidas que estão saindo da situação de rua para uma nova sociedade e tudo graças à atuação da Defensoria Pública", disse Maria Lúcia. "O papel da instituição foi imprescindível nesse caso. De todos os órgãos públicos, a Defensoria tem sido a instituição mais atuante com a população de rua. Os resultados são muito rápidos. Sei que não teríamos essa contratação se não tivéssemos esse apoio", completou. Os sete moradores de rua só estão dependendo dos resultados dos exames para começarem a trabalhar na construção.