COMUNICAÇÃO
Para professora, crianças em situação de rua demonstram fracasso da distribuição de renda
Palestra magna marcou início das atividades do Grupo de Estudos Acolher, da Defensoria Pública do Estado da Bahia
A psicóloga e professora adjunta da Universidade Federal da Bahia, Juliana Prates, em aula magna que marcou o início dos trabalhos do Grupo de Estudos Acolher, da Curadoria Especial da Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA, defendeu que "crianças e adolescentes em situação de rua incomodam porque insistem em morrer nas regiões mais nobres das cidades. Incomodam por demonstrar o fracasso da distribuição de renda". A aula magna foi ministrada nessa quarta-feira, 27.
Para Prates, doutora em Estudos da Criança, conceito de "rua" já não é mais o mesmo. Isso porque, se no passado, crianças e adolescentes procuravam as "ruas" do Centro para abrigarem-se, hoje, as cidades já não possuem apenas um único Centro, pulverizando a presença desse grupo vulnerável. "Atualmente a rua não é mais o Centro. Há "ruas" nas próprias comunidades, fora das residências, na cooptação de crianças e adolescentes ao mercado das drogas", pontuou.
A palestra A pesquisa e a prática com crianças e adolescentes em situação de rua: passado, presente e futuro, deu as boas vindas aos 15 estudantes de Psicologia e Assistência Social que passarão a integrar o Grupo de Estudos Acolher, criado a partir de um convênio da Defensoria Pública com a Universidade Federal Bahia. O grupo permitirá que seja feito um trabalho de pesquisa e análise a partir dos atendimentos realizados a crianças e adolescentes vulneráveis em situação de rua, qualificando o serviço oferecido pela DPE.
REDUÇÃO DE DESIGUALDADES
Para o subdefensor público geral, Rafson Ximenes, que representou o defensor público geral no evento, não basta a Defensoria Pública
garantir direitos a esse grupo populacional. É preciso estar próximo daqueles que mais precisam de assistência. "Por isso estimulamos os defensores a produzirem projetos que resgatassem a marca da Defensoria, projetos que fossem ao encontro de grupos vulneráveis. Pela 1ª vez, em 2015 atingimos a meta estabelecida de atendimentos, com mais de 800 mil atividades realizadas. Isso é o que queremos e o que estamos trabalhando para que aconteça", afirmou.
E para além da garantia do direito, o subdefensor-geral considera ser preciso dar o exemplo na busca por uma sociedade menos desigual. Em primeira mão, Rafson Ximenes revelou que a Defensoria baiana vai instituir o sistema de cotas na realização do próximo concurso para defensor público, previsto para acontecer ainda esse ano. "Já está prestes a ser encaminhada para aprovação do Conselho Superior a resolução que vai implantar o sistema de cotas no próximo concurso. E isso não é nenhuma política de caridade, mas de reparação e de afirmação da representatividade da população baiana", garantiu.
Cantada em verso e prosa por integrantes do Coletivo Boca Quente, a desigualdade social, que muitas vezes leva crianças e adolescentes às ruas, às drogas ou ao mundo do crime, emocionou os presentes. O grupo mostrou que os "ps" presentes nas palavras pobreza, preto, periferia, passado e presente muitas vezes são decisivos na formação do indivíduo. Mas também mostrou ser possível fazer diferente com "ps" de presença, participação e paz.
PRESENTE
Não há dados atualizados sobre o número de crianças e adolescentes que estão em situação de rua na capital baiana. O último, produzido pela Fundação Axé, em 1993, já não dá mais conta das peculiaridades daqueles que vivem, trabalham ou sazonalmente frequentam as ruas. "Hoje podemos perceber algumas diferenças neste cenário, para além da reconfiguração do conceito de rua. Crianças e adolescentes passam mais tempo em suas comunidades e escolas, isso graças a programas de distribuição de renda, como o Bolsa Família, que tem como regra para recebimento do auxílio a frequência escolar. No entanto, crianças têm entrado cada vez mais cedo no mercado do tráfico de drogas, e procuram as instituições para obterem ajuda, pois muitas vezes já podem mais voltar às suas comunidades", afirmou a psicóloga Juliana Prates.
FUTURO
Descentralizar os serviços que são oferecidos a esse grupo; não esperar que crianças e adolescentes tenham de se deslocar ao Centro, onde normalmente estão localizados abrigos e aparelhos públicos de acolhimento para receberem a ajuda necessária; articular os serviços oferecidos pela rede de atenção e proteção à criança e adolescentes. Estes são alguns dos desafios apontados pela psicóloga para que se garanta, efetivamente, direitos a crianças e adolescentes em situação de rua.
"Para 2016, o projeto Acolher pretende fazer um diagnóstico tanto das crianças e adolescentes em situação de rua, como das crianças institucionalizadas. Pretendemos construir um banco de dados que seja atualizado e permaneça ao longo dos anos, a partir do Observatório Acolher e do trabalho a ser desenvolvido pela equipe multidisciplinar. Contamos com o trabalho de todos para construir uma nova visão de crianças e adolescentes em situação de risco. Para transformar o futuro dessas pessoas", destacou a defensora pública Ana Virgínia Rocha, titular da Curadoria Especial da Criança e Adolescente.