COMUNICAÇÃO
Passagem da Unidade Móvel da Defensoria em Uauá e Canudos atende demandas reprimidas de moradores do sertão baiano
Atendimentos se concentraram em retificações de registros, exames de DNA para investigação de paternidade e divórcios consensuais de casais que em alguns casos já estavam há décadas separados apenas de fato.
Há quatro anos Jociene Silva aguardava pela realização legal do seu divórcio e o restabelecimento de seu nome de solteira. Na última quinta-feira (20), ela finalmente pôde realizar seu desejo com a passagem da Unidade Móvel da Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE/BA) no município de Canudos.
“Estou grata a Defensoria pelo ótimo atendimento e muito contente que, depois de tanta espera, novamente tenho minha liberdade, meu nome de solteira”, comemorou Jociene. Em itinerância pela paisagem da caatinga do território de identidade do São Francisco, a Unidade Móvel da Defensoria esteve também no dia 18 na “capital do bode”, a cidade de Uauá.
Os atendimentos da Defensoria nos municípios, ambos com população menor que 30 mil habitantes, se concentraram em retificações de registros, exames de DNA para investigação de paternidade e divórcios consensuais de casais que em muitos casos já estavam há muitos anos, mesmo décadas, separados apenas de fato. Foram 32 atendimentos em Uauá, com quatro casos de coleta de material para o exame genético, e 49 atendimentos em Canudos, com sete casos análogos.
Em Canudos ocorreram dois casos de retificação de nome e gênero. Um deles foi o de, até então, Railan Almeida Santos. Tendo completado 18 anos em setembro e se reconhecendo como pessoa não binária, pôde alterar seu gênero para não binário e seu nome para Maia, como ansiava desde março se chamar.
“Tinha uma expectativa grande. Poder mudar o nome é algo tão burocrático. Conseguir isso hoje de modo simplificado foi muito bom. O preconceito e a marginalização ainda são muito grandes. É muito ruim saber que a pessoa é malvista, mal falada, por ser simplesmente quem ela é. A mudança oficial pode ajudar, porque as pessoas também passam a chamar pelo nome que está registrado”, destacou Maia Almeida.
Entre os exames de DNA realizados, uma mãe de Uauá, que preferiu não se identificar, conseguiu realizar o exame quase três anos depois da última passagem da UMA na cidade, em 2019. Naquele ano ela havia tentando realizar o procedimento, mas sem localizar o suposto pai não pode levar a questão adiante. Desta vez, ela o convenceu e o exame foi realizado.
Já a dona de casa canudense Thaíssa Cavalcante, 23 anos, levou a filha Maria Valentina e seus avós paternos para realizar o exame. Isso porque o suposto pai de Valentina faleceu no começo deste ano. “Embora não me fizesse falta no dia a dia da criação de minha filha, penso que é importante para ela saber quem foi seu pai e não um espaço vazio no registro”, comentou.
Realizado em caráter póstumo, se a investigação de paternidade não poderá oferecer a possibilidade de um pai presente, poderá gerar uma relação avoenga (de avós). Reconhecendo que seu filho podia realmente ser o pai de Maria Valentina, José Augusto Morais se disse tranquilo para acolher a criança em caso de resultado positivo. “A criança não tem nada que ver com isso. Estou até torcendo para que dê positivo. Se isso ocorrer, vamos chegar juntos e ajudar na também, de alguma forma na criação dela”, comentou.
Para a coordenadora da Unidade Móvel e do Núcleo de Integração da DPE/BA, Cristina Ulm, a itinerância demonstrou mais uma vez o impacto na vida dos assistidos. “A gente vem e quem a gente atende sentimos que modificamos positivamente algo que elas buscavam na vida delas. Foi o caso de diversos casais que já vinham separados de fato, mas que só agora puderam resolver suas situações legais”, pontuou.
Articulações institucionais
Além dos atendimentos aos moradores das cidades visitadas, a passagem da UMA em Uauá e Canudos serviu para abordar e articular sobre três importantes campanhas ou ações promovidas pela Defensoria. A defensora Cristina Ulm apresentou em Canudos ao prefeito Jilson Cardoso Macedo, ao secretário de Educação, Roberto Gama, e a secretária de Desenvolvimento e Combate à Pobreza, Shirla Ferreira, o livro de minicontos “Nossa querida Bia”.
O livro faz parte da Ação “Infância sem racismo” e enfrenta de maneira simples, com linguagem acessível, o preconceito e a discriminação que podem sofrer crianças negras por conta, por exemplo, do tipo de cabelo ou ornamentos de religiões de matriz africana que utilizam. Ao partir da ideia de que ninguém nasce racista, a ação busca fazer refletir e responder a comportamentos de marginalização e/ou hostilidade contra crianças negras reproduzidos desde a idade infantil.
“Colocamos o livro à disposição das municipalidades, que caso queiram poderão divulgar em suas escolas, além de imprimir novas cópias conforme termo de cooperação a ser estabelecido conosco”, comentou Cristina Ulm. Em Uauá, a reunião correspondente ocorreu com a Secretaria de Desenvolvimento e Combate à Pobreza, Marlene Cardoso, o procurador municipal, Pedro Cordeiro e secretário de Educação, João Alves.
Também foi apresentada a ambas as prefeituras, na presença dos mesmos representantes, os trabalhos desenvolvidos pelo Núcleo de Gestão Ambiental da Defensoria a fim de organizar os catadores de materiais recicláveis e, desta forma, avançar no tema conforme premissas estabelecidas na Política Nacional de Resíduos Sólidos. A Defensoria se colocou à disposição para também apoiar nesta questão com a expertise desenvolvida no âmbito do Núcleo e do projeto “Mãos que reciclam”.
Por fim, também atuante na itinerância, o defensor público e coordenador da 5ª Regional da DPE/BA (com sede em Juazeiro), André Cerqueira, apontou às administrações locais a solicitude do Núcleo de Integração e da Especializada dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes da DPE/BA para ajudar na construção de plano decenal (dez anos) de atendimento socioeducativo. A legislação federal prevê a necessidade deste instrumento a fim de que os municípios construam políticas públicas e fixem metas no que concerne ao tema.
“Em meio aberto, a execução das medidas socioeducativas são uma responsabilidade dos municípios. Para execução destas medidas, a lei prevê a necessidade de um plano decenal. A Defensoria ajuda os municípios a construírem este instrumento. Sem ele, as medidas aplicadas pelos juízos ficam sem execução e estes jovens que cometeram delitos de menor ofensividade ficam sem acompanhamento e esquecidos neste importante momento de reeducação”, explicou André Cerqueira.