COMUNICAÇÃO

Permanência do Quilombo Kingoma está ameaçada por invasões em Lauro de Freitas

02/09/2019 9:59 | Por Tunísia Cores - DRT/BA 5496

DPE/BA aguarda julgamento de recurso no TJBA, que poderá viabilizar a permanência da comunidade em território ocupado há séculos

O Quilombo Kingoma, que existe em Lauro de Freitas desde o século XVI, na Região Metropolitana de Salvador, está na expectativa do julgamento de um Agravo de Instrumento apresentado ao Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) e previsto para o dia 10 de setembro. A esperança da comunidade, representada pela Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA no processo de reintegração de posse (nº 0000896-88.2008), é que o recurso seja indeferido para garantir a permanência de quase 600 famílias que vivem na região.

Defensor público da Instância Superior da Defensoria, Jânio Cândido Simões Neri acompanha o caso junto ao TJBA. “Nós temos uma liminar favorável para que as famílias sejam mantidas no Quilombo e a outra parte recorreu ao Tribunal com Agravo de Instrumento”, destaca.

Atuante na unidade da DPE/BA em Lauro de Freitas, e representante do Kingoma no primeiro grau, a defensora pública Eveline Portela pontua a relevância do indeferimento do pedido. “Entendo que é muito importante o julgamento da liminar a fim de manter as famílias onde se encontram, com suas residências consolidadas, mas é imprescindível o reconhecimento definitivo do direito da comunidade do Kingoma. O processo já dura anos e é preciso encerrar esta angústia e insegurança que eles vivem diariamente”, afirma.

Entenda o caso

A Defensoria passou a atuar como representante jurídica do Kingoma a partir de 2012, quando estes já eram réus em uma Ação de Reintegração de Posse. Os desdobramentos incluem o deferimento da liminar (a própria ação) e, posteriormente, a suspensão do pedido para que fossem ouvidos o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o Instituto de Terras da Bahia (Interba).

Em setembro do último ano, foi novamente determinada a reintegração de posse da outra parte, mas a Defensoria solicitou a revogação desta liminar, sob justificativa de o território pertencer ao Kingoma – o que já foi atendido pelo Tribunal. Atualmente, a decisão judicial assegura a permanência do Quilombo, porém a outra parte recorreu ao TJBA com o Agravo de Instrumento, que será julgado no próximo dia 10.

Ameaças e invasões

Os relatos das famílias destacam ameaças por conta de invasões que se tornaram cada vez mais frequentes a partir de 2012. Recentemente, com a construção da Via Metropolitana Camaçari-Lauro de Freitas, houve intensificação das ameaças e tentativas de assassinato de lideranças, entre elas a mãe do Quilombo e orientadora espiritual, dona Ana Lúcia dos Santos Silva.

Conhecida como Donana, a líder destaca que já foram feitos diversos boletins de ocorrência na 27ª Delegacia, em Itinga, mas as situações de assédio com o objetivo de tomar as terras não cessaram. Há ainda relato de crescimento da devastação a área verde, aterro de nascentes que abastecem a comunidade, entre outros danos.

“Tudo que usamos é para nosso sustento. Então, a gente não pode perder nosso território e não ter lugar para plantar, nem para criar, nem para conservar a mata onde vamos buscar o que a gente precisa”, afirma. A comunidade promove a preservação das plantas medicinais, criação de animais e o cultivo da terra – evidenciando uma relação para além da questão territorial, a qual envolve também a ancestralidade e a própria sobrevivência das pessoas.

De acordo com o defensor público Gilmar Bittencourt, que acompanha extrajudicialmente o caso e desenvolve trabalhos com comunidades quilombolas de Lauro de Freitas, remover a comunidade do local não seria uma alternativa. “A maioria das famílias não teria para onde ir neste momento porque já estão enraizadas nessa comunidade há muitos anos. Seria complicado, inclusive, para a alocação da própria cidade, que sofreria com isso”, avalia.

O defensor já encaminhou um ofício para a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) com o objetivo de deixá-la ciente da situação, a qual interfere diretamente na segurança do Kingoma.

Donana ressalta que a comunidade quilombola não tem condições de arcar com os honorários de uma defesa particular. “A comunidade não tem muitos recursos e os advogados que muitas vezes dão orientação são voluntários. Então, a gente precisa da Defensoria para garantir o nosso território de forma concreta”, ressalta.