COMUNICAÇÃO
População de rua de Salvador denuncia abusos institucionais em audiência pública realizada pela Defensoria
Audiência foi marcada por relatos de casos de agressões nas ruas, más condições e maus tratos em casas de acolhimento
Nas ruas, violência e agressões das mais diversas, inclusive de agentes de segurança pública; nas casas de acolhimento, assédio moral, alimentos estragados e vencidos, maus-tratos e fria recepção.
Esta foi a síntese dos discursos que marcaram a audiência pública promovida pela Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA e o Movimento População de Rua/Bahia na manhã desta segunda-feira, 19, dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua.
Com presença expressiva de pessoas que dormem nas ruas ou que se recolhem a albergues públicos para pernoite, a audiência praticamente lotou o auditório da Escola Superior da Defensoria Pública no bairro do Canela, em Salvador.
Para o defensor público geral, Rafson Ximenes, que esteve no local pouco antes do começo do encontro, ouvir a população em situação de rua é um importante caminho para encarar o desconhecimento e os preconceitos socialmente difundidos, que levam ao medo e a comportamentos agressivos contra estas pessoas.
“Vivemos um momento difícil quando, até pela presidência da república, os agentes de segurança pública são estimulados a um comportamento inadequado. É um desafio para o comando das polícias, para os policiais, resistirem a este estímulo negativo, e tratarem com respeito a população, especialmente esta já marginalizada. Os preconceitos associados a estas pessoas devem ser enfrentados e escutá-las sobre como vivem e como querem ser tratadas serve a este fim”, comentou Rafson Ximenes.
Ex-moradora de rua e coordenadora do Movimento População de Rua-Bahia, Suely Oliveira, resumiu as demandas deste grupo. “O que a gente quer é respeito e uma vida digna. O que a gente quer é a garantia de nossos direitos. É por isso que a gente luta e é isso que reivindicamos”, expressou na abertura do encontro.
A FALA QUE VEM DAS RUAS
Um dos primeiros a se manifestar, Carlos Alberto* denunciou episódios de violência que vivenciou e a morte de um amigo, vítima de pauladas. Técnico de informática, ele descreveu ainda as dificuldades para conseguir um emprego. “Quase não somos reconhecidos como gente, por não termos um endereço, nenhuma porta é aberta, fomos jogados fora e assim escolhem nos manter”, disse.
Para Maria Felipa*, a violência policial é inaceitável. “Já chegam batendo. É um mundo da violência. Tem que mudar isso. Como está, não é possível continuar. Já vivi na rua e vou continuar lutando pelos direitos dos meus companheiros que seguem na rua”, pontuou.
Para Joana Camila*, que se recolhe à noite num albergue no bairro de Amaralina, a unidade não oferece assistência e acolhimento. “Além de ser insuficiente, a comida oferecida é estragada ou vencida. Há maus-tratos dos funcionários. Precisa ir lá para fiscalizar”, disse.
Foram vários os relatos e queixas em relação às casas de acolhimento. Entre eles, casos de banheiros em mau funcionamento, indisposição de funcionários, inflexibilidade no horário de ingresso nas casas mesmo em dias chuvosos e frios, e falsa ausência de vagas alegada para impedir que outras pessoas em situação de rua pudessem ter acesso aos abrigos.
“A violência sofrida pelas pessoas em situação de rua não é um problema novo, é um problema complexo e não terá solução rápida e fácil. Quanto aos albergues, a Defensoria realiza visitas periódicas, mas é o caso de pensar numa intensificação ou em um calendário permanente. As demandas são muitas e as possibilidades de nossa atuação não são ilimitadas”, comentou a defensora pública e coordenadora da Especializada de Direitos Humanos, Eva Rodrigues, que integrou a mesa da audiência.
Para a defensora pública que conduz o Núcleo Pop Rua, Fabiana Miranda, é preciso pensar melhores estratégias para minimizar os problemas. ”Nosso objetivo é reparar as violações que vocês sofrem e promover direito à cidadania e a dignidade, com uma assistência social do modo como vocês precisam e merecem. Vamos avaliar as visitas que nós já fizemos e vamos conversar sobre quais são as melhores estratégias que podemos adotar para melhorar esta situação”, pontuou.
Também participaram da mesa da audiência a ouvidora geral da DPE/BA, Sirlene Assis, a técnica da Secretaria Estadual de Justiça Direitos Humanos e Desenvolvimento Social, Márcia Figueiredo Santos e o advogado e representante da Comissão de Direitos Humanos da OAB/BA, Tiago Freitas, que se comprometeu a levar as denúncias e demandas para toda a Comissão.
*nome fictício para preservar a identidade