COMUNICAÇÃO
“Posso respirar aliviado” – Açougueiro que foi à falência após fiscalização irregular quer reconstruir sua vida
Onze anos após o trauma, José Evaldo ainda tem gatilhos ao pensar em abrir novamente um açougue, mesmo tendo trabalhado na área por quase toda a vida. Com a ajuda da DPE/BA, agora inocentado, tem esperança no futuro
Dez toneladas de carne que seriam distribuídas para comerciantes em diversos bairros de Salvador apreendidas de maneira irregular. O investimento de uma vida por água abaixo. Acusado de vender carne imprópria para consumo em 2013, José Evaldo de Macedo e seu sócio foram inocentados com o auxílio da Defensoria Pública da Bahia (DPE/BA), dez anos depois, no início de 2024. Mas, a apreensão de todo o material que estava no frigorífico – inclusive carnes que ainda não estavam pagas – levou a dupla à falência. E agora, José?
A operação de fiscalização foi notícia em jornais locais, citando nome e sobrenome dos sócios, o que deixou uma grande mancha na imagem dele. Enquanto respondia por crime contra a relação de consumo, José Evaldo mergulhava em uma depressão profunda. Sem dinheiro e “queimado” na área, ele conta que passou a beber muito. A cada intimação recebida na Justiça, seu José ficava nervoso e a ansiedade disparava, porque ele revivia tudo que passou com a abordagem irregular: motivo que desencadeou sua mudança radical de vida e que afetou, inclusive, a relação com a sua família.
“Ainda bem que eu não andava armado. Porque, bebendo daquele jeito, era capaz de eu fazer uma besteira comigo mesmo a qualquer momento”, desabafa. Foram mais de três anos sem conseguir se reerguer, remoendo aquele sentimento. Enquanto isso, o processo na Justiça se desenrolava.
“Desacreditei 100% da lei, não tive defesa, fizeram algo totalmente desnecessário. Só na Defensoria que eu encontrei apoio. Tanto na Defensoria da Bahia quanto na Defensoria da União, que foi onde fui defendido na causa tributária, porque depois daquilo não tive mais dinheiro nenhum, nem para pagar os impostos”.
Obscuro
Pela forma como as coisas aconteceram, seu José acredita que as denúncias e a estranha abordagem tenham sido armadas por concorrentes do seu frigorífico. “Foi tudo muito estranho. Tenho imagens que mostram as carnes congeladas sendo repassadas para outro frigorífico. Eu trabalhava com produtos de uma marca específica, que trazia do sul. E depois da abordagem me falaram que estavam sendo vendidas na Pituba e outros bairros de Salvador”, conta José Evaldo.
De acordo com ele, houve algo muito irregular no procedimento, porque as carnes descongeladas foram incineradas, mas as carnes congeladas foram supostamente revendidas. O processo judicial informa que parte das carnes foram incineradas e que uma pequena amostra foi enviada para a perícia. No entanto, para comprovar que o material estava impróprio, a perícia foi feita com atraso de dois meses após a apreensão.
Direito estragado
Sobre a denúncia de que algumas carnes estariam estragadas, José é enfático: “estragaram o meu direito, me ‘atropelaram’, tomaram tudo, não fizeram um alerta, nem deram um prazo para eu regularizar caso algo estivesse fora das normas. Não deram meu direito de defesa. As carnes congeladas eu poderia ter repassado para não fechar as minhas portas. Eu me senti muito injustiçado”.
Uma das coisas que mais o incomodou foi a falta de escuta. “Só com a Defensoria que eu pude falar. Fiquei 10 anos calado, sem poder me defender. Depois desse tempo todo, só no final do processo que o juiz me deu a oportunidade de falar”, desabafa Seu José. Quando finalmente pôde falar, o único questionamento que fez foi uma crítica ao modo como o poder público procede nas fiscalizações.
“Se tiveram a iniciativa de ir fechar meu estabelecimento comercial – gerar desemprego, deixar vários clientes desguarnecidos -, por que não foram lá me ajudar a regularizar? Já tínhamos dado entrada na mudança da razão social. Era só um documento”. Dado o volume de carne que manipulavam para entrega a pessoas jurídicas, a empresa precisaria mudar o CNPJ para indústria, mas ainda operavam como distribuidora.
Alívio
Hoje, como já não consegue mais trabalhar no ramo da carne da mesma forma como fazia antes, seu José Evaldo faz uns “corres” com revenda de embalagens, sacolas plásticas, e também de algumas peças de carne salgada. “Eu não tenho trabalho fixo ainda. Um cara com 60 anos de idade”, lamenta. Ele revela ainda que, antes da apreensão, foi o único momento da vida em que ele começou a realmente ter segurança financeira e fazer seu ‘pé de meia’.
Agora, após ter resolvido o seu problema na Justiça junto à Defensoria, ele sente que há novos ares e oportunidades, sem o peso da Justiça Penal. “O que importa é a minha paz. Não quero briga, não quero acusar ninguém. Só queria ter sido ouvido. E agora é bola pra frente”, destaca ele, agradecendo o serviço prestado pela Defensoria.
“Eu passei esses últimos 10 anos assombrado. ‘Meu Deus, quando é que isso vai terminar?’ Mas, graças a Deus, agora posso respirar aliviado. O pior passou”, desabafa José Evaldo, que livrou-se da depressão e está tocando a vida agora leve, sem o peso da acusação, com fôlego e semblante de alguém uma década mais jovem.
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