COMUNICAÇÃO

Quilombolas denunciam Marinha de violação dos direitos humanos e violência

11/06/2012 18:06 | Por
Uma das comunidades remanescentes de quilombolas mais antigas do Brasil tem vivido tempos de guerra. O Quilombo Rio dos Macacos, situado no município de Simões Filho, na Bahia, abriga 46 famílias que vivem no local a pelos menos cinco gerações. Contudo, a Marinha do Brasil reivindica o território para expandir um condomínio destinado a seus oficiais. Além de vivenciar cotidianamente as mais diversas violações de direitos humanos, a comunidade quilombola está ameaçada de ser expulsa de seu habitat tradicional.

A desocupação estava prevista para o dia 4 de março de 2012. Todavia, este prazo foi estendido por cinco meses após reunião com representantes do governo federal e estadual. Esse tempo seria utilizado para finalizar o relatório técnico de identificação e delimitação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a fim de identificar se a área pertence de fato aos quilombolas e há quanto tempo eles vivem no local.

O Quilombo do Rio dos Macacos é certificado pela Fundação Cultural Palmares desde outubro de 2011 e há mais de 150 anos a comunidade remanescente de quilombo ocupa a área. Segundo o quilombola Edgar Messias dos Santos, 69 anos, toda a região era constituída por fazendas e o terreno onde se encontra a comunidade pertencia à fazenda Carne Verde. Os moradores da fazenda eram escravos e trabalhavam na usina de Aratu e a terra lhes foi repassada como indenização quando a fazenda faliu.

“A usina de açúcar abriu falência em 1930 e não teve como indenizar as pessoas. Então, o proprietário deu a gleba de terra que o povo já ocupava como indenização, mas não deu documento a ninguém”, declarou Edgar Messias dos Santos. Antes de formalizar a doação aos membros do quilombo Rio dos Macacos, o senhor Coriolano, dono da fazenda, contraiu dívidas tributárias, o que levou o município de Salvador a se apropriar de parte das terras na forma “in soluto”.

E em 1960, a Prefeitura da capital baiana doou a área em questão para a Marinha do Brasil. A comunidade foi cercada por muros e a Marinha relacionou os moradores e restringiu somente a essas pessoas o acesso à comunidade quilombola. A Base Naval foi instalada na década de 1970 justamente na passagem onde os moradores utilizavam para ir ao centro da cidade.


VIOLÊNCIA
Em 2011, a Associação dos Remanescentes do Quilombo Rio dos Macacos denunciaram ações violentas de intimidações sofridas pela comunidade por parte da Marinha do Brasil. Prisões ilegais na Base Naval, cárcere privado, ameaças e humilhações, invasão de residências, ameaças com colocação de armas no ouvido, disparos de armas de fogo, exigência de nudez de moradores homens quando presos foram relatados pelos quilombolas.

Este ano, novas denúncias de violência e intimidação foram feitas pela comunidade. Para a defensora pública Walmary Dias Pimentel, os quilombolas estão enfrentando tortura física e psicológica. “Num momento em que o Brasil afirma e reafirma o direito à igualdade e o respeito aos direitos humanos, não podemos admitir que uma situação como esta esteja acontecendo na Bahia”, declarou a defensora.

A comunidade também afirma que há impedimento de acesso a diversos direitos básicos do ser humano, como acesso à água encanada, sistema de esgoto e energia elétrica. Ainda de acordo com moradores, há pelo menos duas décadas as crianças foram impedidas de ir à escola com ameaças de espancamento e metralhadoras apontadas para a cabeça. Segundo Edcarlos Messias dos Santos, 35 anos, desde que a Marinha construiu a vila naval sobre as terras da comunidade quilombola, os moradores começaram a ser espoliados, pressionados e agredidos: “As ameças já vêm de muitos anos. Quando a Marinha se instalou acabou o nosso sossego. A intenção deles é retirar todo mundo daqui”.

“Antes, tinha de tudo aqui: mandioca, cana, batata, frutas. Depois a Marinha não deixou mais a gente plantar e agora só tem mato. O fuzileiros entram aqui e pegam o que querem, dizem que a área é deles, não pedem nada a nós. Tem muita gente aqui passando necessidade por conta disso”, declarou Júlia Ribeiro dos Santos, 66 anos.

De acordo com Rosemary dos Santos Silva, 32 anos, as pressões e atos violentos da Marinha contra a comunidade se intensificaram nos últimos dois anos: “Em março de 2010 recebemos o primeiro documento de despejo e depois que recorremos, as ameaças não param. De dois anos para cá, a gente não pode nem reformar nossas casas, que em sua maioria são de taipa (barro). Não podemos reformar, e aí elas vão caindo. As pessoas ficam sem casas e passam a morar nas residências de parentes ou amigos. As casas aqui estão lotadas de gente”.


As casas são esparsas e estão em péssimo estado de conservação, a maioria é de adobe. Não há água encanada nem esgotamento sanitário e algumas casas são iluminadas por “gatos”. No dia 28 de maio de 2012, a Marinha do Brasil mobilizou o Corpo de Fuzileiros Navais para impedir e destruir a reconstrução da casa de um dos quilombolas da comunidade. A casa tinha sido avariada devido às fortes chuvas que castigaram a região nos últimos anos. A força armada montou acampamento próximo a casa e somente após negociações se retiraram do local.

DIREITO À TERRA
De acordo com o defensor público Gil Braga, a casa em questão estava sendo reformada, ou seja, ela já existia, não era uma nova construção sendo feita e a Marinha do Brasil deveria ter respeitado isso. “Quem visitou o imóvel sabe claramente que há risco iminente de desabamento. Existem rachaduras por toda parte, colocando em risco a vida de quem mora lá. Daí a necessidade da reforma que estava sendo feita. O que está acontecendo no Quilombo Rio dos Macacos é tão inconstitucional quanto desumano”, afirmou o defensor, que completou: “Agora, vamos levar todas as informações possíveis para a Presidência da República. Quem tem que decidir esse conflito é a presidente Dilma. Isso é uma questão política, antes de tudo”.

Na opinião da defensora pública Melisa Florina Lima, o artigo 68 das disposições transitórias da Constituição Federal garante aos remanescente das comunidades quilombolas que estejam ocupando suas terras, a propriedade definitiva, porém, este artigo ainda não foi regulamentado, o que gera fragilidade jurídica: “Os quilombolas estão ameaçados de perder sua terra, apesar do direito à terra que habitam estar assegurado pela Constituição. Infelizmente, temos um instrumento jurídico insuficiente para garantir a posse definitiva da terra a esses cidadãos”.