COMUNICAÇÃO
Racismo foi tema no segundo encontro do Projeto Lugar de Fala, da DPE/BA
“Às vezes me chamam de negro pensando que vão me humilhar
Mas o que eles não sabem, é que só me fazem lembrar
Que eu venho daquela raça que lutou pra se libertar
Que criou o maculêlê e acredita no candomblé
E que tem sorriso no rosto, a ginga no corpo e o samba no pé […]”
A letra é da música “Às vezes me chamam de negro”, gravada na voz da cantora Carolina Soares e sucesso nas rodas de capoeira. Mas muito mais que isso, a canção traz à tona um assunto tão presente na sociedade brasileira: racismo, tema abordado no segundo encontro do projeto Lugar de Fala, trabalho instituído pela Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA nas Comunidades de Atendimento Socioeducativo – Case’s.
Realizado na Case Feminina na manhã desta quarta-feira, 21 de agosto, as 27 adolescentes, com idades de 15 a 20 anos e que cumprem medidas socioeducativas, receberam como convidadas para falar sobre o tema a assistente social e ouvidora geral da DPE/BA, Sirlene Assis, e a socióloga e ex ouvidora-geral da DPE/BA Vilma Reis.
De forma lúdica, Sirlene Assis iniciou a apresentação com a canção. Ela expôs piadas e músicas de cunho racial, falou da ancestralidade e os desdobramentos do racismo. “No momento que você discute as raízes e o que é o racismo no Brasil, é mais um instrumento de educação, de formação e de empoderamento dessa juventude negra, que é a maioria que presente nas Case’s, seja masculina ou feminina. É entender as raízes do racismo e o resquício da escravidão que teve no Brasil, que reflete nas nossas vidas atualmente e está imperando na vida deles”, relatou.
Ela conclui ainda “que ao sair desse espaço, eles saiam com a perspectiva de serem sujeitas e sujeitos de direito e construtores da sua história. Que não deixem mais que o sistema dite seus caminhos, mas sim construam novos horizontes na perspectiva da dignidade humana, do bem-estar, do bem viver do direito a viver e envelhecer”, finalizou.
Ativista do movimento negro, Vilma Reis fez uma retomada histórica para que as jovens pudessem ter uma maior dimensão de como o preconceito permaneceu até os dias atuais, além de levar diversos nomes e livros de escritores que dialogam sobre tema. Falou também de como elas podem persistir nos sonhos sem deixar que eles cessem e sobre o direito de envelhecer.
Atentas a todos assuntos, as jovens perguntaram, questionaram e expuseram situações que vivenciaram ou presenciaram ao longo da vida. Para o defensor público Bruno Moura, idealizador do projeto, a ideia é que cada contato tenha uma dinâmica diferente, para que as jovens possam absorver informações e conhecimento de variadas vertentes.
“No primeiro encontro, buscamos ouvi-las. Já hoje, trouxemos duas referências para que elas absorvessem mais, pudessem refletir sobre escolhas e sobre como o racismo pode impactar nisso. A ideia era que elas vissem nas duas, que têm total propriedade sobre o que falam, uma possibilidade de acreditar no futuro”, disse o defensor.
A gerente da Case feminina, Agnes Prates, diz que a parceria com Defensoria Pública do Estado da Bahia é revolucionária. “Quando oportunizamos um espaço chamado ‘Lugar de Fala’ para os adolescentes do universo socioeducativo, causamos uma mudança no mundo. Por meio desse trabalho, a Defensoria transformou o protagonismo juvenil em mais do que uma matéria de academia, do que um discurso, transformou em uma prática, pois elas podem conversar, expor o que pensam. É realmente uma coisa muito importante para nós receber esse projeto e participar ativamente dele”, declarou.
Lugar de Fala
Joana*, 19 anos ficou surpresa com o interesse dos defensores públicos em conhecer a história das jovens em cumprimento de medidas socioeducativas. “São vidas diferentes, classes diferentes, cores diferentes e nos proporcionar esse conhecimento me deixa muito feliz, embora a sociedade seja muito machista, racista, a gente reconhece que ainda existem pessoas que de fato acreditam na gente. É um estímulo para os nossos sonhos, para nossa crença em nós mesmos”, expôs.
Mãe de um filho de 3 anos, Carine*, 20, diz que os aprendizados que vem adquirindo serão um diferencial para educar seu filho quando sair do local. “Eu espero que tenha mais, espero que nos próximos encontros continuem vindo pessoas legais, que nos tragam conhecimento, porque quando eu sair daqui vou usar tudo que aprendi com meu filho, para ele não ter a mesma vida que a minha”, relatou emocionada.
Sobre o Projeto
A iniciativa visa promover o diálogo e o debate com socioeducandos, tanto do gênero masculino quanto feminino, despertando a reflexão sobre o contexto que os levaram ao conflito com a lei e quais caminhos e atitudes colaboram para mudanças nos rumos de suas vidas.
O encontro na ala masculina ocorreu na terça-feira, 20, na Case Salvador e abordou o mesmo tema. A próxima visita nas Case’s será em setembro.
*Nomes fictícios