COMUNICAÇÃO

Racismo no Brasil e o mito da democracia racial marcam a terceira aula do curso interno de relações raciais da Defensoria

20/11/2020 10:31 | Por Leilane Teixeira - estagiária, sob a supervisão de Arthur Franco DRT/MS 936

A aula contou com participação de defensora pública do Estado do Rio de Janeiro e de pesquisadora da UFBA

Certamente já ouviram falar que aqui no Brasil que “somos todos iguais” ou que “a única raça que existe é a raça humana”, não é mesmo? As frases utilizadas como tentativa de dizer que o racismo no país não existe até fariam sentido se a realidade enfrentada pela polução negra fosse diferente. E foi justamente para tratar de pontos emblemáticos como esse, que a terceira aula do I Curso de Formação sobre Relações Raciais da Defensoria Pública do Estado da Bahia –DPE/BA trouxe à tona, entre outros assuntos, as relações raciais no Brasil e o mito da democracia racial.

A terceira aula, que teve como título “Não vejo a cor, só vejo pessoa” foi mediada pela defensora pública e integrante do Grupo de Trabalho da Igualdade Racial da Defensoria, Clarissa Verena Freitas e contou com a participação da defensora pública coordenadora de Promoção da Equidade Racial da Defensoria do Rio de Janeiro, Livia Casseres, e da advogada e pesquisadora no Programa Direito e Relações Raciais da Ufba, Gabriela Ramos.

A defensora Livia Casseres iniciou a aula reforçando que a realização de um curso como esse por si só já é considerado uma conquista e um avanço, pois possibilita que outras pessoas se debrucem no debate racial, conhecimento que, segundo ela “nos foi roubado por toda infância e juventude”. Além disso, ainda em sua fala inicial, Lívia reiterou a importância de fazer uma retomada histórica sempre que for falar sobre o assunto e traçou um paralelo entre a diferença de raça e racismo.

“Esses conceitos são centrais para o nosso trabalho e para formulação de políticas de acesso à Justiça. A ideia de raça está diretamente ligada ao colonialismo, que trouxe a prática de exploração e violência contra alguns povos. Ou seja, ela foi uma invenção colonial que justificava o regime escravista do Estado para exterminar negros e indígenas, e, mesmo que posteriormente a ciência tenha estabelecido que a ideia de raça não faz sentido no âmbito biológico, ideologicamente e culturalmente ela permanece viva até os dias atuais, no momento em que julga, por exemplo, que povos negros e indígenas são inferiores aos brancos”, pontuou.

Quanto ao racismo, a coordenadora de Promoção da Equidade Racial da DPE/RJ, defensora pública Livia Casseres, afirmou que ele parte justamente da reminiscência cultural que se criou perante a ideia de raça presente no nosso cotidiano e que além de efeitos simbólicos, ele tem também efeitos materiais. “O racismo determina quem vive, quem morre. Determina oportunidades de trabalho, as possibilidades de acesso a cargo público, à moradia, à saúde e diversas outras áreas da vida. O racismo é cruel e mata”, enfatizou.

Mito da democracia racial

O segundo momento do curso contou com a presença da advogada pesquisadora no Programa Direito e Relações Raciais da UFBA, Gabriela Ramos. Em uma de suas falas, abordou sobre a tentativa de que o Estado e muitas pessoas têm de fazer acreditarmos que vivemos numa democracia racial, quando na verdade a prática é bem diferente. “Como que vivemos numa democracia racial se o primeiro a ser taxado como bandido é o negro? Estamos em um país que a maioria da população é negra, mas quantos desses ocupam espaços de poder? Esses são alguns mínimos exemplos, basta olhas as estatísticas que é possível notar que não vivemos em uma democracia racial”.

Ainda em sua fala, Gabriela Ramos, que também é especialista em Direito e Processo do Trabalho, enfatizou que “nós não podemos perder de vista que a democracia racial, mais do que uma invenção, ela é uma invenção que está ali arvorando toda uma construção ideológica a uma ficção. E para além de uma ficção, há uma intencionalidade de falsear a realidade”, concluiu.

Ao longo da aula foi falado sobre o processo de abolição da escravatura no país, as medidas que o estado deixou de tomar para tentar manter uma sociedade mais igualitária, o silenciamento dos conflitos estabelecidos em solo brasileiro, bem como das múltiplas resistências feitas pelos povos africanos e indígenas contra a opressão do Estado e da institucionalização do racismo.

Por fim, Gabiela Ramos esclareceu que devemos ter atenção ao se falar das relações raciais no país, porque elas não dizem respeito somente as pessoas negras, mas também e, principalmente, as pessoas brancas. “Essas pessoas precisam entender qual é o seu papel nessa engrenagem de manifestações do racismo e do racismo estrutural. Não haveria racismo nem essa condição de subalternização e de dominação de determinados povos, se não houvesse um povo dominante”, finalizou a advogada.

Sobre o curso

O curso é uma iniciativa da Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA para fortalecer uma atuação cada dia mais antirracista no quadro interno da instituição. Participam os defensores (as) públicos (as), servidores (as) e estagiários (as).

É o primeiro curso interno exclusivo para formação sobre relações raciais e acontece por reuniões virtuais. Ele é composto por um módulo com cinco apresentações de professores e estudiosos convidados pela Escola Superior da Defensoria para tratar de alguns tópicos do tema.

A próxima aula acontece na quarta-feira, 25, às 18h, com o tema “Direito e Raça”