COMUNICAÇÃO
Reconhecimento facial: Defensoria e Ibadpp realizam curso e capacitam Polícia Civil para evitar prisões injustas em Euclides da Cunha
Objetivo é destacar impactos das falhas em procedimentos penais de reconhecimento de pessoas na região; prisões injustas por falhas no reconhecimento pessoal chegam a quase 70%, diz ONG internacional
Falhas no reconhecimento pessoal durante o processo de identificação de suspeitos contribuem para, aproximadamente, 70% entre mais de 375 condenações injustas após prova de DNA nos Estados Unidos. O dado é do Innocence Project, uma organização sem fins lucrativos espalhada por diversos países, entre eles o Brasil, voltada a enfrentar as condenações de inocentes. Embora não haja dados específicos com o respectivo recorte no país, um relatório apresentado pela Defensoria do Rio de Janeiro aponta que 70% dos acusados injustamente por erro em reconhecimento fotográfico, entre 1º de junho de 2019 a 10 de março de 2020, eram negros.
Para chamar atenção sobre a questão, a Defensoria Pública da Bahia – DPE/BA realizou o minicurso “Reconhecimento pessoal no processo penal” para policiais civis em Euclides da Cunha, na última semana, em conjunto com o Instituto Baiano de Direito Penal e Processual – Ibadpp. Realizada na Casa de Cultura do município, a formação contemplou profissionais que atuam ainda em Cícero Dantas, Monte Santo e Ribeira do Pombal e região.
Defensora pública que atua em Euclides da Cunha, Bianca Fantinato explica que, recentemente, os tribunais superiores passaram a reconhecer estudos e anulam condenações em que o procedimento não foi respeitado. Um dos exemplos é o Superior Tribunal de Justiça – STJ, que já absolveu réu diante de reconhecimento “questionável” e da falta de outras provas que sustentassem a condenação.
Ainda assim, explica a defensora pública, “a prática é realizada indevidamente em todo o Brasil, mesmo com décadas de estudos da psicologia do testemunho afirmando que a forma de realização do reconhecimento pessoal impacta no resultado e aumenta a chance de erro na identificação do culpado”.
No Código de Processo Penal brasileiro (art. 226), o reconhecimento pessoal é a situação em que a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento (ou seja, vítima ou testemunha) será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida (ou seja, o suspeito de cometer um crime).
De acordo com o CPP, o procedimento prevê que: a vítima ou testemunha forneça previamente uma descrição da pessoa que cometeu o crime; a inclusão do(a) suspeito(a) entre pessoas semelhantes ao(à) mesmo(a); o registro do ato de reconhecimento deve ser assinado pela autoridade, pela pessoa que realizou o reconhecimento e por duas testemunhas. Outro ponto é que, caso haja suspeitas de que vítima ou testemunha sofreu intimidação ou outra influência, o procedimento deve ser realizado de maneira que a vítima não seja vista pelo suspeito.
Um dos fundadores do Ibadpp e um dos coordenadores científicos do curso, Antonio Vieira destaca que é fundamental o cumprimento dos protocolos, inclusive internacionais, visto que a utilização de metodologia inadequada não apenas afeta negativamente o aprimoramento do sistema de justiça criminal quanto atinge sobretudo as pessoas mais vulnerabilizadas.
“A depender do método utilizado, há uma chance maior, por exemplo, de que a vítima ou uma testemunha forneça uma resposta errada, identifique um inocente como aquela pessoa que cometeu o crime. Esses casos, que nós chamamos de falsos positivos, são muito graves e podem levar a injustiças tremendas”, explicou.
Antonio Vieira ressalta que a vítima ou testemunha não pode ser sugestionada a reconhecer pessoas suspeitas. Por isso, a recomendação é que o procedimento seja feito mediante um alinhamento prévio, no qual o suspeito deve ser sempre exibido, ao vivo ou por fotografias, ao lado de pessoas que tenham características físicas semelhantes e que não são suspeitas daquele crime. A presença de “não suspeitos”, também chamados distratores, consiste num importante mecanismo de controle.
“São os investigadores, os delegados de polícia que primeiro têm contato com as vítimas e testemunhas e também são eles que, justamente por essa circunstância, têm a chance de colher informações importantes para apuração dos fatos com qualidade e confiabilidade”, ressaltou Vieira ao reafirmar a importância do curso sobre “Reconhecimento pessoal no processo penal” direcionada à categoria.
Formação em Euclides da Cunha
O Instituto Baiano de Direito Penal e Processual – Ibadpp já havia realizado outros cursos sobre a temática, mas levou a formação para Euclides da Cunha por solicitação da Defensoria da Bahia sediada no município.
“A Instituição, juntamente com outras autoridades da região, percebeu que o reconhecimento realizado fora dos parâmetros definidos por lei era, de fato, uma constante na cidade”, explicou a defensora pública Diana Furtado, que atua no Tribunal do Júri.
Atuante também como coordenadora do Ibadpp, Diana Furtado reafirmou que a Defensoria acompanha as respostas dos Tribunais Superiores sobre o tema, mas é preciso ir além e aprofundar o trabalho nos municípios.
“A comunidade local precisa de uma resposta mais rápida e de um serviço que seja sim eficiente, mas com menor risco de se levar inocentes à prisão. A persecução penal, geralmente, se inicia com a polícia civil e foi muito inspirador ver tantos policiais comprometidos com a própria capacitação”, pontuou.
Transformações a longo prazo
O objetivo é provocar transformações a longo prazo no processo de reconhecimento de pessoas. Para isso, além da Defensoria Pública da Bahia e do Ibadpp, instituições como o Ministério Público estadual e a Polícia Civil estão empenhadas em fazer transformações profundas e a longo prazo nas localidades.
“Demos o primeiro passo para a mudança na realização do procedimento aqui no município, mas, para que isso ocorra, a categoria tem que ter acesso a informação de qualidade, entender que a sua atividade prática pode realmente gerar um erro, que a boa-fé no exercício da função, nessa área, não é suficiente”, explica a defensora pública Bianca Fantinato.
Nos dias 11, 18 e 25 de julho, os policiais civis participarão do curso de formação inicial de defensores(as) públicos(as) da DPE/BA, cujas aulas abordarão reconhecimento pessoal. Estão previstas ainda a aplicação de pesquisas empíricas para coleta de dados, elaboração de publicações acadêmicas, recomendações, além de cursos e capacitações sobre o tema.