COMUNICAÇÃO

Pesquisa da DPE/BA sobre audiências de custódia é aplaudida em audiência na Alba

11/09/2019 8:00 | Por Lucas Fernandes DRT/BA 4922

Dados foram apresentados à comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública

Após lançar o Relatório das Audiências de Custódia na comarca de Salvador com coletiva à imprensa, a Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA apresentou a análise dos dados levantados à Comissão de Direitos Humanos e Segurança da Assembleia Legislativa da Bahia – Alba.

Deputados, cidadãos, estudantes, movimentos sociais, representantes do Executivo e de instituições do sistema de justiça congratularam a Defensoria pela iniciativa e pela coragem em dar publicidade ao estudo que revelou o perfil majoritário das pessoas assistidas nas audiências: jovens, negros, pobres, desarmados e de baixa escolaridade.

O debate ocorreu nesta terça-feira, 10, na sala das Comissões Herculano Menezes lotada. Os números indicam que as pessoas liberadas nas audiências de custódia raramente voltam a incorrer em novos flagrantes – as taxas de retorno são de menos de 4% – e provam que as mesmas são instrumento de justiça, não de impunidade, como acreditam alguns segmentos sociais.

Entre os encaminhamentos propostos na audiência esteve a ampliação da discussão convocando uma audiência pública mista com a presença da Comissão de Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia e Serviço Público; dos Direitos da Mulher; da Promoção da Igualdade; da Secretaria de Segurança Pública; do Ministério Público; Secretaria de Administração Penitenciária; movimentos sociais; além da Câmara Municipal de Salvador.

A ideia é dar mais visibilidade a este que é o maior banco de dados sobre audiências de custódia no Brasil – com mais de 17 mil flagrantes analisados nos últimos três anos – para fortalecer o sistema de justiça e melhorar a segurança pública.

Também foi deliberado sobre a criação de um Grupo de Trabalho para se debruçar sobre os dados apontados e buscar sensibilizar o Governo do Estado quanto à necessidade de fomentar políticas públicas que sanem o problema. Destinar mais recursos para órgãos como a Secretaria de Igualdade Racial – Sepromi e instituições como a Defensoria também estiveram entre as sugestões de resolução.

“O nosso objetivo com essa pesquisa que a Defensoria entrega para a sociedade é que o sistema penal e as políticas de segurança pública sejam discutidas com a seriedade de se identificar o que acontece de fato, não com base no caso que teve maior repercussão na imprensa. Para chegar a uma segurança pública eficiente, que diminua os crimes, temos que partir da realidade”, considerou o defensor público geral da Bahia, Rafson Saraiva Ximenes, durante a apresentação.

Segundo o defensor-geral, a Casa Legislativa é o palco adequado para discutir os temas relevantes para a sociedade e deve-se dar importância não somente ao assunto, mas à própria vida das pessoas submetidas ao sistema penal apontadas pela pesquisa.

“O encarceramento no Brasil e no mundo é um fenômeno que está crescendo de maneira acelerada, tem mobilizado diversas instituições de direitos humanos e grupos que se preocupam com essa questão. Temos um desafio grande em garantir esse direito previsto na Constituição: que em 24h a pessoa tenha acesso à audiência de custódia. Nesse aspecto, considero que a pesquisa realizada pela Defensoria traz uma contribuição muito significativa para se repensar a política prisional”, ressaltou a presidente da Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública, deputada Neusa Cadore.

O caminho, segundo Cadore, é aprofundar a análise do significado do diagnóstico apresentado pela pesquisa da Defensoria. “Nosso compromisso vai na direção de fazer chegar ao governo os resultados dessa pesquisa, que ela sirva para construir um novo modelo de segurança pública na Bahia”, afirmou.

Também compuseram a mesa de debates do evento a secretária estadual de promoção da igualdade racial, Fabya Reis, representando o Governo do Estado; o coordenador da Defensoria Especializada Criminal e de Execução Penal, Maurício Garcia Saporito; o assessor especial do Gabinete responsável pela Assessoria de Pesquisa da DPE/BA, Lucas Marques Ressurreição; a coordenadora do centro de apoio operacional dos Direitos Humanos do Ministério Público da Bahia, Márcia Teixeira; a deputada e presidente da comissão de igualdade, Fátima Nunes e o deputado Hilton Coelho.

Também presentes a presidente da comissão de direitos humanos da Câmara Municipal de Salvador, vereadora Marta Rodrigues; o presidente do Instituto Baiano de Direito Processual Penal – IBADPP Luiz Gabriel Batista Neves. Da Defensoria, o subdefensor público geral do estado, Pedro Bahia; a corregedora-geral, Liliana Sena Cavalcante; a coordenadora da Especializada Criminal e de Execução Penal, Fabíola Pacheco; as coordenadoras da Especializada de Direitos Humanos, Lívia Almeida e Eva Rodrigues; o assessor de relações institucionais, Álvaro Gomes; os assessores especiais do Gabinete, Analeide Accioly, Cynara Fernandes e Marcelo Rodrigues; o membro do Conselho Superior, Lucas Melo, além de servidores da instituição.

DADOS

O Relatório evidencia que a quase totalidade dos flagranteados são negros (98,8%), considerando pretos e pardos; homens (94,2%); jovens (68,3%); com até o ensino fundamental (54,6%); e tem renda abaixo de dois salários mínimos (98,7%). A Defensoria baiana presta assistência em 67,2% dos casos.

Outro dado importante que destaca-se no Relatório é a taxa de retorno (quando uma pessoa incorre em uma nova audiência de custódia após ter sido liberado em uma anterior). Apenas 1,5% em 2016; 2,2% em 2017 e 3,9% em 2018. Os números contrapõem-se ao sentimento de impunidade de parcela da sociedade que acredita que as audiências de custódia servem como instrumento de impunidade.

Em aproximadamente 74,2% dos mais de 17 mil flagrantes analisados não foi utilizada qualquer arma. Outro recorte obtido no estudo é que 96,9% das mulheres presas em flagrantes pertencem à população negra contra 3,1% de brancas.

PESQUISA

“Muito se fala sobre audiência de custódia na Bahia e no Brasil, mas pouco se fala com conhecimento do que é esse instituto e qual a realidade, há poucos estudos sérios”, avaliou o defensor público geral do Estado da Bahia, Rafson Saraiva Ximenes. Ele explicou se tratar de um direito que serve para decidir se a prisão em flagrante foi legal e, se tiver sido, se é necessário a pessoa permanecer presa antes mesmo de ser acusada e julgada.

Desde 2015, quando as audiências foram implantadas na Bahia, a Defensoria passou analisar e catalogar todos os autos de prisão de flagrante em Salvador. “Queríamos saber quem eram as pessoas, em que situação foram presas, se foram soltas ou não, e passamos a fazer o cruzamento desses dados para saber qual o efeito. São mais de 17 mil pessoas em situação de flagrante avaliadas. É um banco de pesquisas que para parâmetros internacionais tem um grau de confiabilidade altíssimo”, comentou Rafson Ximenes, acrescentando que esse direito constitucional é fruto de tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário e é aplicado nos países desenvolvidos no mundo inteiro.

O defensor público geral explicou ainda que, antes do instituto das audiências de custódia, a prisão era comunicada a um defensor público ou advogado indicado e eles submeteriam ao juízo, argumentando sobre a legalidade da prisão ou contestando a necessidade de a pessoa seguir presa naquele momento. “O que muda é um detalhe que parece simples, mas que faz toda a diferença. Agora a decisão é feita com o juiz olhando no olho, julgando um ser humano, não um pedaço de papel”.

Conforme a defensora pública que coordena a Especializada Criminal e de Execução Penal da DPE/BA, Fabíola Pacheco, presente na audiência, foi uma relevante iniciativa da Defensoria fazer esse acompanhamento em Salvador desde 2015, pois são dados perfeitos, atualizados em tempo real, em sintonia com os dados do Tribunal de Justiça. “A razão da violência não são as audiências de custódia. É a falta de estrutura, de educação, que se tem no histórico do nosso país. Não temos que prender mais, temos que educar mais, de observar quem se prende e pôr nas prisões somente quem lá deve estar”, comentou.

Durante a audiência na Alba, a servidora Isadora Menezes Cardim, que executou o levantamento dos dados do Relatório das Audiências de Custódia, foi homenageada pela Defensoria pela competência e empenho no desenvolvimento da pesquisa.

O relatório completo está disponível no site da Defensoria Pública do Estado da Bahia.

DEPOIMENTOS

“Eu tinha que vir aqui saudar pela coragem e pelo trabalho, que, sem dúvida, nos auxiliará com o diálogo interno com o Governo. O debate sobre segurança pública tem urgência no país e esses dados nos apoiam sempre que vamos debater. O movimento negro historicamente denuncia o avanço de uma política [nefasta] direcionada aos jovens negros. Levaremos esse trabalho para a rede estadual de combate ao racismo (…) É flagrante o racismo estrutural, que a gente já identificou que tem endereço, tem cor, tem gênero, tem geração. Essa é uma urgência e eu venho agora lastreada com esse relatório, que nos dá a contundência da argumentação (…) São dados incontestáveis, que nos dá a força da política para debater também nas reuniões do Pacto Pela Vida. É importante serem levados e discutidos amplamente nas reuniões de trabalho que envolvem todo o nosso sistema de justiça.” – Secretária de igualdade racial, Fábya Reis, representando o governador Rui Costa.

“A pesquisa traz luzes a um debate muito importante, carregado de ódio, preconceito, mistificações, e a verdade se estabelece nos números de forma muito objetiva. Se não existisse audiências de custódia estaríamos abarrotando os superlotados presídios brasileiros – escola de aperfeiçoamento de crimes – de pessoas que muitas vezes cometeram algum delito por uma pressão existencial por sobrevivência, e que lá seriam tragados pelas organizações criminosas que comandam os presídios brasileiros.” – Deputado estadual Robinson Santos Almeida, ex-relator da Comissão Especial de Segurança Máxima nos Presídios Brasileiros da Câmara Federal.

“Queria dizer que esses dados são pré-revolucionários. Parabenizar pela coragem em gerar, trabalhar e publicizar. Quero pedir uma salva de palmas com muita energia para a Defensoria Pública. Os dados são muito eloquentes, revelam como temos uma política racista nesse estado, em que os jovens negros poderiam estar encarcerados sem nem mesmo portar uma arma de brinquedo.” – Deputado estadual Hilton Coelho.

“Saía sempre muito triste e indignada com o que se apresentava como promotora substituta nas audiências de custódia e ver materializada essas informações é muito importante. É muito importante essa pesquisa, construída por tantas mãos, dessa instituição que a cada dia vem se mostrando fortalecida na defesa dos direitos humanos do povo brasileiro. (…) Mais uma vez meus parabéns e força à Defensoria Pública, que essa Casa [legislativa] e o Governo do Estado compreendam a importância de aumentar o número de defensores, de fazer com que a Defensoria chegue nos mais distantes rincões do estado da Bahia” – Promotora de justiça e coordenadora do centro de apoio operacional dos Direitos Humanos do Ministério Público da Bahia, Márcia Teixeira.

“Quero parabenizar à Defensoria, mas confesso que estava a cada segundo me retorcendo com os dados, é uma coisa que não dá nem para acreditar que é real. (…) a pesquisa, a ciência está aí para comprovar a barbaridade que estamos vivendo” – Filósofo e militante do Movimento Negro Unificado, Raimundo ‘Bujão’.

“O Instituto baiano, a Defensoria e os agentes precisam defender o lugar do especialista. (…) Quando ficamos com problema cardíaco, procuramos um cardiologista, quando precisamos construir um prédio, procuramos um engenheiro, mas no momento de construir segurança pública, não falamos com o pessoal que estuda o tema. É importante que a Defensoria traga esses dados, e o Instituto vem nessa condição, de falar do ponto de vista de quem estuda o tema, por que todos nós estamos interessados na diminuição da violência” – Presidente do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (IBADPP), Luiz Gabriel Batista Neves.

“A Defensoria tem dado bastantes elementos para o enfrentamento que a central de penas alternativas precisa ter e eu preciso agradecer de verdade, porque esse relatório vai ser mais um instrumento para levar pelo Brasil afora para falar sobre o que são as audiências de custódia e toda a sua repercussão” – Andreia Mércia da Central de Apoio e Acompanhamento às Penas e Medidas Alternativas (CEAPA).