COMUNICAÇÃO

Roda de conversa sobre Criminologia Feminista discute vetores de opressão que ultrapassam a esfera de classe e ressaltam questões de gênero

13/03/2020 14:42 | Por Tunísia Cores DRT/BA 5496

Segundo palestrante, analisar a criminologia sob a ótica feminista contribui para a compreensão da atuação punitiva do Estado

A Roda de Conversa sobre “Violência contra a mulher: criminologia feminista em debate” promovida pela Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA foi realizada no auditório da Esdep, na tarde desta quinta-feira, 12, com a presença de servidores, estagiários e defensores públicos em formação. O momento foi conduzido pela defensora pública Firmiane Venâncio, pioneira no Núcleo de Defesa das Mulheres – Nudem na Defensoria baiana, e Daniela Portugal, advogada criminalista e professora universitária.

Na ocasião, Daniela Portugal destacou que a criminologia feminista traz à tona outros vetores de opressão que ultrapassam a esfera de classe e auxiliam a compreender a atuação punitiva do estado. Neste cenário, é importante compreender que o Direito é não apenas construído por quem tem poder econômico, mas por “homens, brancos, heterossexuais e cisgênero”.

“Se o Direito é construído por essas pessoas, significa dizer que estaremos diante de um escudo de proteção colocado em favor de uma parcela da população e uma espécie de instrumento de ataque apontado contra a outra parcela. Isso se reproduz também, por consequência, em toda a nossa análise do Direito, que é totalmente centrada nessa branquitude heterossexual e androcêntrica”, analisa.

Estar inserido em tal padrão pode dificultar a identificação do componente de gênero no juízo de censura, que é medido a partir da régua do sujeito julgador, segundo a palestrante. Em tal reflexão, Portugal resgata conceitos como a ideia de empatia, de “homem médio” (padrão), e até mesmo de sentença – relacionada à palavra sentir e às conexões psicológicas que estabelecemos nem sempre de forma consciente.

“Quando pensamos em criminologia feminista, e para mim não existe criminologia feminista que não seja necessariamente antirracista, nos lançamos em uma nova percepção do crime e do processo de abordagem dessas condutas. Estes devem necessariamente passar por uma releitura crítica no sentido de compreendermos de onde vêm essas categorias, contra quem elas são colocadas e de que maneira nos valemos da nossa posição de privilégio”.

Daniela Portugal comenta ainda que a capacidade de identificar as opressões deve proporcionar transformações em mais de uma via. “Se eu sou mulher e sou capaz de perceber que os nossos tipos incriminadores – homens, brancos, ricos, heterossexuais, cisgêneros – de alguma maneira vão gerar em meu desfavor uma opressão em relação ao meu corpo, eu preciso ser capaz de compreender de que maneira existem tantos outros tipos penais que são colocados em meu benefício e para a minha proteção para que eu perpetue também sistemas de opressão que estarei operando contra outras pessoas – como contra mulheres negras, por exemplo, e eventualmente contra homens negros”.

Feminismo, criminologia e atuação da Defensoria

A defensora pública Firmiane Venâncio trouxe entre os questionamentos iniciais o porquê de utilizar uma perspectiva feminista ao abordar violência contra a mulher, a criminologia feminista e a atuação da Defensoria Pública. “Em todos os momentos da atuação defensorial, precisamos colocar o que as teóricas feministas chamam de ‘lentes de gênero’ para identificar com que tipo de opressão estamos lidando na análise do caso. Isto também nos faz perceber que, dentro dos grupos vulnerabilizados, existem públicos mais expostos à vulnerabilização, como é o caso das mulheres”, afirmou.

Em uma breve reflexão histórica, foi destacado que a modernidade não incluiu a mulher enquanto um sujeito de direitos, como o patriarcado moderno/colonial era um sistema de dominação e opressão de homens sobre mulheres, além de pontuar a intensificação da violência contra a mulher como uma reação ao colapso do patriarcado.

A defensora também pontuou que o feminismo surge então como um movimento teórico e prático que, desde o final do século XIX, luta pela igualdade formal e material de direitos entre homens e mulheres; que as teorias feministas buscam estudar o movimento, as respectivas categorias analíticas (gênero, mulheres, patriarcado, identidade, entre outros), assim como as suas contradições no sentido de encontrar alternativas para que mulheres possam exercer igualitariamente direitos e poder político (público e privado).

Por isto, a importância de promover debates dentro das instituições a respeito dos três temas – criminologia, feminismo e Defensoria. “Existe um compromisso institucional da Defensoria de incluir em todos os cursos preparatórios de formação de defensores as temáticas de gênero, raça e classe – três eixos estruturantes das desigualdades sociais no Brasil. Este momento de hoje é oportuno para discutirmos, no mês de março, questões ligadas ao direito das mulheres e à violência doméstica”, pontuou.

Diretora da Escola Superior, a defensora pública Soraia Ramos ressaltou a importância do tema e de promover a discussão entre profissionais de diversos segmentos e atuações na DPE/BA. “Os novos defensores conhecem a teoria, mas precisam saber na prática. É importante ter uma preocupação com a vítima, com os respectivos filhos se houver, entre outras questões. Este é um tema importante a ser discutido, que irá contribuir diretamente tanto para a formação dos colegas quanto para que a atuação da Defensoria, que estará cada vez mais qualificada para disponibilizar aos nossos usuários os melhores serviços e profissionais possíveis”.

Relatório do Observatório do NUDEM

Reforçando o compromisso institucional com o tema, a Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA lançou o Relatório do Observatório do Núcleo de Defesa das Mulheres – NUDEM, onde estão compilados dados sobre atendimentos feitos a mulheres vítimas de violência doméstica e familiar que buscaram a instituição entre outubro de 2019 e janeiro de 2020. O documento revela qual o perfil das assistidas e dos agressores, com informações individuais (escolaridade, faixa etária, estado civil, autodeclaração de cor, entre outros) e sociais (renda, núcleos familiares, renda, entre outros).