COMUNICAÇÃO

Semana da Defensoria 2023 – “O sofrimento não é só psíquico ou biológico, também é social”, advertem pesquisadoras em I Xirê da DPE/BA

19/05/2023 13:35 | Por Ailton Sena DRT 5417/BA

O espaço dentro da programação da Semana da Defensoria reuniu defensores(as) negros(as) e não-negros(as) para discutir autocuidado, antirracismo e saúde mental

O rapper Emicida não cantou no I Xirê da Defensoria Pública da Bahia – DPE/BA, mas o trecho “Permita que eu fale. Não as minhas cicatrizes”, da música Amarelo, resume o encontro de defensoras e defensores negros promovido dentro da programação da Semana da Defensoria 2023 nesta sexta-feira, 19. Mediado pelas idealizadoras do Projeto Pra Preto Psi e estudiosas em clínica racializada Bárbara Borges e Francinai Gomes, o encontro também atraiu pessoas brancas para discutir antirracismo e saúde mental.

Palavra de origem iorubá, xirê significa roda, dança, brincadeira. Nas religiões de matriz africana, é rito ancestral de grande representatividade da diáspora África-Brasil utilizado para saudar os orixás. A proposta do Núcleo de Equidade Racial da DPE/BA para o encontro promovido na Semana da Defensoria era promover um espaço de comunicação aberta, com honestidade e afetividade e para construir uma Defensoria Pública mais forte com pessoas negras e para pessoas negras.

O êxito da proposta ficou evidente ao final do evento ao observar os rostos e falas emocionadas das pessoas que participaram do evento. “A mensagem que fica é de que ninguém aqui está em posição de neutralidade racial e isso não tem a ver apenas com o nosso trabalho. Está ligado à dinâmica das relações íntimas que vivemos e como nos colocamos ou numa posição subalternizada ou de dominação”, avaliou a coordenadora do Núcleo de Equidade, Vanessa Nunes.

Para a também defensora pública Ana Luiza Silva, o momento de trocas promovido pelo Xirê também tem potencial para fortalecer os serviços prestados pela Defensoria. “Existem momentos da nossa atuação que somos atravessados por reflexões que nossos colegas brancos não são. Por isso, é importante que a gente tenha a oportunidade de trocar sobre isso tanto a nível pessoal, de saúde e de elaboração, mas também porque isso tem um potencial de enriquecer o trabalho dessa instituição.

Durante o evento, as pesquisadoras convidadas apresentaram o projeto Pra Preto Psi, que oferece psicoterapia e profissionais que exercem clínica racializada, falaram sobre a importância da escuta e acolhimento, dimensões do sofrimento e da união entre as pessoas negras. “É fundamental fazer esse tipo de discussão na Defensoria porque os(as) defensores(as) negros(as) precisam se articular no combate ao racismo institucional e, se uma violência acontecer, uma rede de acolhimento faz total diferença”, assegurou Barbara.

O debate também pautou a importância de um olhar atento à dimensão racial na atividade fim realizada pela instituição que atende pessoas, majoritariamente, negras em situação de vulnerabilidades múltiplas. “É preciso reconhecer que o trabalho da Defensoria também é de escuta e não é possível fazê-lo sem considerar a dimensão racial do público que busca a instituição”, pontuou Francinai.

De acordo com as facilitadoras do encontro, das 1700 pessoas que atualmente têm acesso à psicoterapia através do Pra Preto Psi, 1178 têm histórico de ansiedade no prontuário. Para elas, em se tratando de pessoas negras, não é possível desprezar o contexto social ao observar esta informação. “O sofrimento psíquico não é só biológico, ele é social também. Muita gente não precisa de psicólogo, mas de emprego, de comida. Essas vulnerabilidades fatalmente chegam à Defensoria e a instituição precisa estar atenta”.

Depoimentos

“A gente não tocou para os orixás, nas falamos sobre o sagrado. Saúde é muito mais que a ausência de lesões físicas, é ter emprego, alimento e acesso à Justiça. Estamos num processo de justiça que é coletiva e retroalimentada para a dimensão individual e participar desse Xirê antes da posse me fortaleceu e me acalmou”, Naira Gomes, ouvidora-geral.

“Pra mim esse é um momento histórico dentro da Defensoria Pública. Nós trabalhamos na defesa das pessoas vulnerabilizadas, que é maioria negra, e para fazermos isso precisamos olhar pra dentro. Todos(as) os(as) defensores(as) sejam negros(as) ou sejam brancos(as) precisam se engajar” defensora pública Laíssa Rocha.

“Estou feliz porque nesse encontro só ouvi verdades que precisam ser ditas e escutadas. E apesar de tudo que estamos vivemos, esse momento me trouxe calmaria porque estamos vendo processos de construção de conhecimento e desconstruções refletidos nessa troca maravilhosa” defensora pública Mônica da Silva.

“Espero que todos os meus colegas negros(as) se sintam confortáveis e encontrem alguém com quem compartilhar suas experiências para que possamos nos fortalecer dentro da instituição e, dessa forma, possamos transformar o mundo ao nosso redor”, defensora pública Daniely Melo.