COMUNICAÇÃO

Seminário debate lutas e desafios por um Sistema de Justiça com Igualdade Racial

25/11/2021 8:44 | Por Felipe Freitas (estagiário), Tunísia Cores DRT/BA 5496 e Ingrid Carmo DRT/BA 2499

Sediado pela Ouvidoria da Defensoria da Bahia, evento reuniu autoridades de todo o Brasil para debater a necessidade e importância de avanços no tema dentro das instituições do Sistema de Justiça

A Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado da Bahia sediou, nos dias 23 e 24 de novembro, o Seminário: “20 anos de Durban: Lutas e Desafios por um Sistema de Justiça com Igualdade Racial. Idealizado pelo Conselho Nacional de Ouvidorias de Defensorias Públicas (CNODP), o evento celebra a Conferência de Durban, nome dado à 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância promovida pela ONU em 2001. Na época, foram tratados diversos temas ligados ao racismo, como a compensação à países africanos pela escravização de seus povos por países europeus e americanos, e também temas como as políticas de Israel em relação ao povo Palestino.

Na abertura, a ouvidora-geral da DPE/BA, Sirlene Assis, destacou a importância do evento na manutenção da busca pela promoção da igualdade racial através desta ferramenta tão importante que é a defensoria. “A defensoria pública é o principal braço jurídico dos movimentos sociais. A maioria dos assistidos é negro, indígena, mulher, quilombola ou ribeirinho. Portanto devemos também compreender quem é o nosso público, ou vamos fingir que estamos prestando assistência jurídica.”

Em seguida, o ouvidor-geral da Defensoria do Estado de São Paulo e presidente do Conselho Nacional de Ouvidorias Externas de Defensorias Públicas do Brasil, Willian Fernandes, pontuou que “Quando se fala de políticas públicas não há um ponto de chegada, mas apenas um ponto de partida, pois a caminhada é constante e sempre há mais algo a se fazer”. Willian também realizou a autocrítica da composição da mesa, com maioria de representantes branco e destacou que o intuito de levantar estes temas para debate é justamente para que as futuras composições possam refletir de forma mais coerente a diversidade racial do país.

Os ataques sofridos pela defensoria pública no que tange à prerrogativa de requisição, em discussão no STF nas últimas semanas, foi um dos pontos levantados pelo defensor público geral da Bahia, Rafson Ximenes durante a abertura. Ele pontuou ainda que este ataque não é somente contra a instituição e seus membros, mas sim contra a possibilidade de cada pessoa/cidadão lutar pelo seu direito. “O que está se atacando é o direito de menos favorecidos. A violência, a exclusão e o estado de injustiça sofrido por estes cidadãos eram justificadas através da falta de acesso à justiça, mas uma vez que os interesses destas pessoas, que até então não tinham como lutar por seus direitos, começaram a ser defendidos com auxílio da defensoria pública na mais alta corte do país esta capa caiu e a manutenção do estado das coisas passa reconhecidamente pelo racismo institucionalizado”.

Painéis

O painel Inaugural abordou os 20 anos de Durban: lutas e desafios por um Sistema de Justiça com Igualdade Racial, com mediação de Girlene Santana, coordenadora estadual do Fórum Permanente da Pessoa Idosa e relatoria de Solene Costa, ouvidora-geral do Piauí. Defensora pública do Piauí, Karla Andrade afirmou que a conferência discutiu o combate a práticas racistas e xenofóbicas, discutiu temas como meio ambiente, religiosidade, questões indígenas e quilombolas. Sobre o Sistema de Justiça, destacou que o racismo deve ser reconhecido e que o reconhecimento da existência dele também deve ser cobrado para membros das carreiras jurídicas.

“Nós temos um Sistema de Justiça que reproduz o colonialismo e precisamos que modifique profundamente a sua estrutura. Estamos conseguindo a previsão das cotas para o ingresso nas carreiras jurídicas, mas por si só não são suficientes para resolver o racismo dentro dos espaços de decisão do sistema judicial. Há algo mais que precisamos fazer”, afirmou a defensora pública.

Representando a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil – CTB, Jerônimo Júnior destacou que a Conferência de Durban foi um marco importante contra a discriminação e o racismo. Destacou, entre outros pontos, a condenação do tráfico de escravos como crime contra a humanidade, a consagração do termo afrodescendente, além da urgência de criação e aplicação de políticas de combate às desigualdades sociais.

Para Jerônimo, a Conferência de Durban evidenciou o protagonismo brasileiro no debate a respeito das questões raciais. “Não só pela grande delegação, mas no envolvimento nos fóruns e debates dentro e fora da conferência, com atividades de rua para denunciar ao mundo o que se vendeu ao longo desses anos como harmonia entre as raças”, relembrou. O representante da CTB destacou ainda marcos no Brasil a exemplo da fundação do Movimento Negro, da criação do Ilê Ayiê e outros blocos Afro, a instituição da política de cotas e a adoção de políticas de igualdade racial como políticas de Estado.

Seletividade penal

A seletividade penal no sistema prisional foi tema do primeiro painel da tarde desta terça-feira, 23. Na ocasião, o defensor público da Bahia Pedro Casali, atual coordenador da Especializada Criminal e de Execução Penal, trouxe dados compilados pela DPE/BA no Relatório das Audiências de Custódia na Comarca de Salvador (2015-2018). Do total dos flagranteados (17.793), a maioria era negra (98,8%), homens (94%), jovens (68,3%), com até o ensino fundamental (54,6%); e renda abaixo de dois salários mínimos (98,7%).

“Foram presos muito mais negros do que a população em si, então a justificativa de proporcionalidade não é verdade. Observamos nesse Raio-X que quem é preso são jovens pretos, sem escolaridade e por violação à Lei de Drogas ou por crime contra o patrimônio – que é, na verdade a falta de oportunidade, a marginalização e a pobreza”.

Em nova edição do relatório, divulgado em 2020, com dados de 2019, 97,8% (4.428) se autodeclararam negros (pretos e pardos) e 2,2% (98) brancos. O cruzamento dos dados revelou que o número de liberdade provisória foi quase igual entre negros (50%) e brancos (49%), mas quando a medida é de prisão preventiva os negros respondem por 41,4% do total e os brancos totalizam 33,7% destes registros.

Políticas afirmativas

Sobre os desafios e as perspectivas das políticas afirmativas no Sistema de Justiça, o defensor público de São Paulo Marcelo Bonilha analisou a implementação da política de cotas nos concursos da DPE/SP, feita em 2014, que encontrou resistência entre membros da Instituição e que, ao final de dois concursos, houve apenas uma defensora pública cotista aprovada. Em seu ponto de vista, é preciso se debruçar sobre os certames para ingresso de membros nas carreiras jurídicas, o qual dispõe de diversas etapas que envolvem disponibilidade, tempo e custo. Mas há também outro ponto importante, que é o acesso às universidades de ponta.

“O concurso começa muito antes, na faculdade. Quando analisamos quem são os juízes, defensores públicos, os promotores são aqueles formados em faculdades que têm um nível maior. Mesmo entre os cotistas. São anos de experiências exigidos para aprovação, taxas a serem pagas como a inscrição, os deslocamentos. Já limitamos muito o número de pessoas que poderão prestar essa prova, em especial o número de pessoas negras, pois embora tenhamos muitos avanços no acesso às universidades, é um avanço recente”.

“O negro não desiste. Ele só persiste em sobreviver”

Já na quarta-feira, 24, ainda embalado pelas rodas de capoeira e de samba que agitaram o dia anterior e mostraram a quem veio de fora ‘o que a Bahia tem’, o Seminário foi aberto com o momento cultural de Adailton Poesia e as Vozes dos Tambores que cantaram e tocaram, em alto e bom som, músicas baianas que expressam toda a luta e resistência do povo negro: “o negro não desiste. Ele só persiste em sobreviver, pela sua história e sua memória o que lhe faz crescer”.

Foi destacando, justamente, que por uma questão de sobrevivência é preciso mudar e lutar e também reforçando o papel das Ouvidorias Externas como instrumentos poderosos e grandes aliadas das Defensorias Públicas que o defensor público da Bahia, Gilmar Silva, muito conhecido pela sua atuação na defesa das comunidades quilombolas, iniciou o 3º Painel sobre “O impacto do racismo estrutural nas garantias de direitos”.

Sob a mediação de Maria das Graças Santos, da Irmandade do Rosário dos Pretos, este painel contou, ainda, com a vice-presidente da UNEGRO, Marina Duarte, que destacou que as ações afirmativas foram adotadas como uma reparação para a população pobre e negra, o defensor público de Goiás, Salomão Rodrigues Neto, que contou sua experiência e afirmou ser um reflexo desta luta e a representante da Organização Mahin e ex-ouvidora-geral da DPE/BA, Vilma Reis. Ela trouxe diversas reflexões e resgatou desde o significado de Durban e a importância da conferência até os impactos do racismo estrutural nos dias atuais. Anotando tudo que foi dito para fazer a relatoria do painel, a ouvidora-geral da Defensoria do Maranhão, Fabíola Araújo, ressaltou o tanto de aprendizado proporcionado nestes dois dias e enfatizou sobre a necessidade de que esta agenda contra o racismo seja permanente.

Enfrentamento ao racismo institucional

Numa verdadeira junção de reflexões com o painel anterior e já sugerindo ações propositivas, o 4º e último painel do Seminário teve como destaque “O papel da Defensoria Pública na promoção da igualdade racial” e quem teve seu lugar de fala foram os próprios defensores e as defensoras públicas de vários Estados – Vanessa Nunes (Bahia), Isadora Araújo (São Paulo), Denize Leite (Tocantins) e Johny Giffoni (Pará) que destacaram as ações institucionais de enfrentamento ao racismo e, acima de tudo, no reforço da luta antirracista.

A Política de Promoção da Equidade Racial e de Enfrentamento ao Racismo da DPE/BA, em vigor desde o dia 12 de maio, foi um dos destaques citados pela defensora Vanessa Nunes, que também é coordenadora-adjunta do Grupo de Trabalho de Igualdade Racial da Instituição. “Eu sei o que significa ser uma mulher negra dentro do Sistema de Justiça, que é branco. Para podermos avançar, da definição para a prática, precisamos insistir na implantação de lugares de poder para as pessoas negras dentro das Defensorias. A Defensoria da Bahia vem em uma caminhada que já é longa e, aqui, temos uma pauta muito avançada em termo de referencial teórico quanto de prática, mas precisamos dar mais este passo [de transformar o GT em Núcleo] para que possamos ter autonomia, recursos, estrutura e dar continuidade a todas as ações estabelecidas pela Política. Portanto, o papel da Defensoria Pública na promoção da equidade racial é o de assumir o compromisso de compartilhar o poder com as negras e os negros”, ressaltou, arrancando aplausos de quem assistiu ao Seminário presencialmente.

Mediado pela ouvidora-geral da Defensoria de Rondônia, Valdirene Oliveira, o painel contou, também, com as contribuições do coordenador do Grupo de Pesquisa Etnicidade da Universidade Federal da Bahia – UFBA, Fábio Velame, que falou sobre o racismo urbano e o direito à cidade, do coordenador do Coletivo IDEAS – Assessoria Popular, Wagner Moreira, que elencou as iniciativas que fazem da Defensoria Pública da Bahia uma Instituição que se preocupa e promove a equidade racial e do senador Paulo Paim, que participou de forma virtual, através de vídeo, e destacou que ações assim, de debater e enfrentar o racismo institucional, servem de exemplo para outros órgãos. Por falar em exemplo, a responsável pela relatoria deste painel, a ouvidora-geral da Defensoria do Pará, Norma Miranda, sugeriu que, a partir da experiência e de tudo que foi abordado neste seminário, sejam feitos encontros de forma regionalizada para discutir as realidades locais.

Os vídeos, do primeiro e o segundo dias do Seminário, já estão disponíveis no canal da Defensoria Bahia no YouTube.