COMUNICAÇÃO
Seminário realizado pela Defensoria promove reflexões sobre o AI-5 e suas correlações com a atual realidade brasileira
Encontro buscou refletir o passado em suas conexões com o presente brasileiro
Há 51 anos a ditadura militar instalada no Brasil em 1964, após o golpe contra o governo de João Goulart, intensificou a repressão contra as mais diversas oposições ao então novo regime. Em 13 de dezembro de 1968 foi decretado sob o comando do general e autocrata Artur da Costa e Silva, o Ato Institucional número 5, mais conhecido como AI-5.
O ato demarcou o início do período mais duro da ditadura ao fechar o Congresso Nacional, autorizar medidas de exceção e pavimentar o caminho para a perseguição política com prisões e torturas como prática de Estado.
Na manhã desta sexta-feira, 13, para recordar a história e fazer pensar sua conexão com o presente, a Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA promoveu o seminário: “AI-5: O que mudou e o que se repete”.
Abrindo o evento realizado na Escola Superior da Defensoria, o defensor público geral, Rafson Ximenes, destacou a importância da reflexão e da cultura como meios de fortalecimento de uma prática democrática autenticamente inclusiva.
“O convite da Defensoria é pela reflexão de que os valores democráticos sejam defendidos para todos. Antes, durante e depois da ditadura, manifestações populares como samba, capoeira, grupos como pobres, negros, mulheres, LGBTs, sofrem violações. Se não é tolerável a censura contra uma peça de teatro, não é tolerável que se censure ou se persiga quem realiza um baile funk em Paraisópolis. O objetivo da Defensoria é ampliar o pensamento para defender os valores democráticos, defendendo acima de tudo os direitos da população”, destacou Rafson Ximenes.
Um dos quatro palestrantes do evento, Joviniano de Carvalho, presidente do grupo Tortura Nunca Mais, abordou a proeminência da pauta dos Direitos Humanos como uma resposta à ditadura militar e como a impunidade aos crimes de tortura sedimentaram um discurso militar que trata o golpe de 1964 com sinal mais que condescendente.
“A própria ideia de tortura como crime imprescritível nasce em reação ao momento da ditadura militar. A maioria dos movimentos de Direitos Humanos no Brasil nasceram na ditadura. A anistia que aqui foi realizada, ao ser estendida para os torturadores, manteve a impunidade e permite que até hoje as forças armadas sigam, em suas academias, com o discurso do golpe como revolução democrática. O golpe de 1964 foi realizado se dizendo em defesa da democracia e contra a corrupção e subversão”, disse Joviniano de Carvalho.
História e arte
Já a professora do Bacharelado de Gênero e Diversidade da UFBA, Maise Caroline Zucco, tratou da historiografia da ditadura militar e a negligência nos relatos históricos sobre a repressão sofrida e a resistência desempenhada de grupos como mulheres, LGBTs, negros, além do recorte geográfico e o problema do revisionismo e negacionismo do que foi vivido naquele momento.
“Que história temos da ditadura? É de quem para quem esta história? Os livros didáticos, por exemplo, a grande maioria deles vem do eixo Rio|São Paulo. Então como os estudantes baianos têm acesso às experiências e a própria territorialidade relativa à ditadura civil militar, se neste material isto não está presente?”, problematizou Maise Zucco. “A própria ditadura está sendo questionada por revisionistas e negacionistas. Isso pode impactar inclusive no processo de aprofundamento das narrativas sobre os atores que vinham sendo neglicenciados”, acrescentou.
O diretor de teatro e ex-secretário de cultura da Bahia, Márcio Meirelles, abordou, entre outros tópicos, sobre o papel da arte e das manifestações culturais como instrumentos que questionam os regimes e mentalidades autoritárias.
“Essa perseguição sistemática à produção artística que está havendo neste momento no Brasil só nos diz a força e a potência que a arte tem para transformar. A força para impedir o avanço de um pensamento único, opressor, da ideia de “colocar você no seu lugar”. Esse desejo de que o outro não veja, nem diga, o que não se quer que ele veja, não professe. O problema agora, que ainda não foi claramente percebido, não é que não se possa produzir o que se queira como artista, o problema é que se impede que se veja o que faz este artista”, comentou Márcio Meirelles que antes havia já havia feito referência ao filme Marighella do ator e diretor baiano Wagner Moura.
A produtora e realizadora cultural Anna Paula Andrade, última das palestrantes a se apresentar, tratou do cenário de realização dos filmes de temáticas LGBT no atual contexto do país.
“Acredito que cada vez que o governo tentar nos silenciar vamos botar filmes para fora. O governo [federal] está tentando acabar com a Ancine, realizar um desmonte geral no audiovisual brasileiro, neste movimento do censor mesmo, com o dedo aplicado. Mas os filmes LGBT vão resistir porque as pessoas estão se fortalecendo, colocando suas obras para o mundo. Procurando exibições em espaços pertinentes para que os filmes não seja esquecidos. É uma luta diária, de anos, que não nos é nova”, comentou Anna Andrade.
Os debates contaram com a mediação e intervenções das coordenadoras da Especializada de Direitos Humanos, Lívia Almeida e Eva Rodrigues e na mesa de abertura com a participação da ouvidora geral da Defensoria, Sirlene Assis.