COMUNICAÇÃO

Seminário sobre direito dos povos indígenas evidencia necessidade de atuação das defensorias públicas dos estados

30/08/2022 15:54 | Por Tunísia Cores - jornalista DRT/BA 5496

Defensores(as) públicos(as) compartilharam experiências de atuação no Pará e em Mato Grosso do Sul.

Em todo o país, há mais de 900 mil indígenas e 305 povos, os quais falam 274 línguas. Na Bahia, 200 aldeias, 29 povos, 10.680 famílias indígenas, além de 51,7 mil habitantes – 61 deles em programas de proteção devido à graves ameaças à vida. Esses são apenas alguns dados apresentados pela indígena e pesquisadora Patrícia Pakararé Krin Si, co-coordenadora do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia – Mupoiba, durante o seminário “Defensoria Pública e o Direitos dos Povos Indígenas”, realizado na Esdep nesta segunda-feira, 29.

“Temos existido e resistido a um histórico de violência, mas a luta do nosso território é ancestral e o nosso direito é originário. Vivemos aqui há mais de 500 anos, antes mesmo dos colonizadores chegarem no país – ou da concepção do Estado e da Constituição Federal serem criados”, afirmou Patrícia Pakararé.

Além dos conflitos ligados ao território, a co-coordenadora do Mupoiba listou diversos problemas enfrentados pelos povos indígenas na Bahia. No âmbito da educação básica, há estrutura precária nas escolas, dificuldades de conectividade, falta (ou quantidade insuficiente) de transporte para os 7.523 alunos, além dos desafios encontrados na educação superior. Por outro lado, há avanços também, em especial na educação superior que possibilitou a criação de materiais didáticos específicos sobre os povos indígenas feitos pelos próprios povos.

“Hoje, podemos dizer que somos professores e educadores, mas também somos contadores da nossa própria história. Temos a nossa narrativa, embora ainda precisemos lutar muito pelo nosso espaço, conseguir dar uma cara ao nosso material didático, formar nossos professores”, afirmou Patrícia.

Patrícia Pakararé (esq.), Neyla Mendes (centro), Aléssia Tuxá (dir.) e Johny Giffoni falam sobre demandas dos povos indígenas e trabalho desenvolvido nas defensorias.

No âmbito da saúde, há falta de médicos para irem às aldeias e zonas rurais, dificuldade de obter vacinas e imunizar a população, profissionais que não compreendem as especificidades do público-alvo, além de dificuldades junto à Fundação Nacional do Índio – Funai e Secretaria Especial de Saúde Indígena – Sesai.

Mediado pela primeira defensora pública indígena do estado da Bahia, Aléssia Bertuleza Tuxá, o seminário trouxe ainda as experiências das Defensorias Públicas na atuação em defesa dos povos indígenas. Compuseram a mesa a defensora pública de segunda instância de Mato Grosso do Sul, Neyla Mendes, e o defensor público do Pará, Johny Giffoni, além de Patrícia Pakararé.

Neyla Mendes destacou que atua sobretudo em três frentes: buscando a efetivação de resoluções do Conselho Nacional de Justiça que versam sobre povos indígenas, promovendo também capacitações dos membros da DPE-MS; por meio de ações coletivas sempre que necessário e elaborando recomendações conjuntas, sobretudo junto à Defensoria Pública da União e ao Ministério Público Federal.

A defensora pública explicou que é muito importante dialogar com defensores que sejam empáticos à causa, que o ingresso de pessoas indígenas no Sistema de Justiça é fundamental para romper barreiras criadas ao longo do tempo.

“O Sistema de Justiça – e aqui não me refirmo apenas à Defensoria Pública – não está acostumado a ter alguém que nos remeta aos povos indígenas enquanto companheiros de trabalho, como defensores(as), servidor(as) ou outros. E a primeira maneira de afastar o estranhamento é convivendo com indígenas”, explicou.

O defensor Johny Giffoni explicou que, no Pará, a atuação junto aos povos indígenas foi iniciada com atuações individuais e que, posteriormente, o núcleo de direitos humanos buscou criar normativas para atuar como referência no tema. O objetivo também foi dar suporte aos defensores(as) da capital e do interior por meio da criação de fluxos de trabalho e peças com fundamentação jurídica.

 DPE/BA, por meio da subdefensora-geral, Firmiane Venâncio, assinou a Carta Salvador em defesa da igualdade étnica ao fim do seminário.

Também foram realizadas reuniões com povos indígenas e busca por estudos antropológicos e que, recentemente, se criou um grupo de estudo para pensar em meios de superar barreiras.

Giffoni também relembrou que é preciso discutir o tema institucionalmente, com orçamento específico; que é preciso criar doutrinas, questionar e sair da zona de conforto e que os diversos segmentos sociais têm papel fundamental nessa dinâmica. “Nós precisamos que os movimentos sociais nos provoquem, que as Ouvidorias nos provoquem, que os conselhos de direitos humanos atuem nesse ponto”.

Mesa de abertura

Realizada na manhã desta segunda-feira, 29, a abertura do seminário “Defensoria Pública e o Direitos dos Povos Indígenas” contou com a mediação do diretor da Esdep, Clériston Cavalcante de Macedo, e participação do defensor-geral, Rafson Ximenes, da subdefensora-geral, Firmiane Venâncio, da coordenadora Executiva das Defensorias Especializadas, Donila Fonseca, e da primeira defensora pública indígena da Bahia, Aléssia Bertuleza Tuxá, mediadora do seminário.

Aléssia Bertuleza Tuxá explicou que ainda há imagens estereotipadas sobre os povos indígenas no imaginário da população – de que se concentram no sul da Bahia, às margens do litoral, observando as caravelas dos colonizadores. No entanto, indígenas estão em diversos territórios do estado e do país, nos mais diversos espaços.

Primeira defensora pública indígena da Bahia, Aléssia Tuxá mediou o seminário sobre Defensoria Pública e direito dos povos indígenas

“Eu estou aqui, Patrícia está aqui, e muitos de nós estão na universidade, no mercado de trabalho, em todos os cantos da Bahia. Daqui a pouco, nós [defensores e defensoras] estaremos desbravando os interiores, atendendo nossa comunidade baiana e nossos povos indígenas. E é por essa consciência, e por saber também das consequências de não se conhecer a realidade dos povos indígenas na Bahia, que eu estou especialmente feliz e emocionada por ver a Defensoria Pública abrindo suas portas para a realização desse evento”.

Na ocasião, o defensor-geral teceu uma avaliação sobre a realização do último concurso público, que pela primeira vez ofertou vagas para pessoas indígenas, e afirmou que o evento foi um pedido de ajuda da Defensoria Pública. “Essa discussão é parte da tentativa de achar caminhos e ferramentas, método de comunicação, para chegar a esse amadurecimento”.

Para a subdefensora-geral, a previsão de vagas para indígenas no último concurso público foi o início do pagamento de uma dívida histórica da Defensoria Pública e do Sistema de Justiça para com os povos indígenas. E a partir desse movimento – que também foi iniciado com a previsão de cotas para pessoas negras – surgem novos desafios

“Temos recebido demandas para ofertar um serviço que esteja de acordo com a necessidade dos povos indígenas – em termos de documentação, de políticas públicas -, mas temos feito muito pouco para atender esse contingente. Precisamos pensar, daqui para frente, em um modelo de atuação que abarque as complexidades étnicas e culturais do nosso estado”.