COMUNICAÇÃO
“Quando o preso começa a pegar no livro, ele já está ganho para a sociedade”, diz escritor convidado do projeto Lugar de Fala
Palestra de Luiz Alberto Mendes foi dada em projeto da Defensoria voltado para adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa
O paulista Luiz Alberto Mendes é escritor, tem seis livros publicados e uma coluna revista Trip, entre outros feitos. Mas há uma descrição que, segundo Luiz, sempre o acompanhará, independente do que venha a fazer: ex-presidiário.
O autor de 67 anos deu este relato durante sua palestra na terceira edição do “Lugar de Fala”, projeto da Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA, que ocorreu nesta segunda-feira, 23, na Comunidade de Atendimento Socioeducativo (CASE) Feminina Salvador, no bairro de Tancredo Neves.
No público, aproximadamente 30 adolescentes que cumprem medidas socioeducativas de internação acompanharam atentamente a fala de Luiz Alberto, em uma oportunidade de conhecer sobre sua trajetória, na qual o agora escritor passou preso 31 anos e 10 meses, o que Luiz sempre faz questão de descrever com precisão.
“Depois que vocês fizerem 18 anos, qualquer deslize é cadeia, é sofrimento. Algo que vai ser para o resto da vida. Eu mesmo estou há 15 anos fora da cadeia e sempre que me apresentam em uma palestra é como ex-presidiário”, desabafou Luiz.
“Eu tenho um nome como escritor, já fui homenageado, dei diversas entrevistas na televisão, tenho coluna em revista e ainda assim sempre me olham com preconceito. Para convencer uma editora a lançar um livro meu, é sempre muito difícil. Aceitem meu conselho e não cometem os mesmos erros que cometi. Falo isso com todo meu sentimento, se é que tenho algum (risos)”, amenizou o escritor ao fim do seu forte discurso para as adolescentes do Case Feminino.
Literatura mudou vida
Na atividade desta segunda, Luiz Alberto relatou um pouco de sua vida: filho de pai alcoólatra, de quem apanhava todos os dias, o hoje escritor começou a cometer pequenos furtos desde a infância, passando por diversas unidades voltadas como o cumprimento de medidas socioeducativas para adolescentes.
Na fase adulta, acabou preso logo aos 19 anos, após ter atirado em um segurança de um posto de gasolina durante um assalto. Acabou encarcerado até 2004, de onde saiu sendo já um autor conhecido com publicação na prestigiada editora Companhia das Letras, em 2001, com o livro “Memórias de Um Sobrevivente”.
Luiz afirma que entrou praticamente como um semianalfabeto na cadeia, e lá, após um colega preso que lhe contava histórias sobre o livro “Os Miseráveis”, do escritor francês Victor Hugo, começou a se interessar mais sobre aquelas realidades, verdadeiras ou ficcionais, que ele não podia acessar do presídio.
“Costumo dizer que quando o preso começa a pegar no livro, ele já está ganho para a sociedade. O livro educa, ensina, o faz pensar por que não deve voltar a cometer crimes”, analisa o escritor, que na prisão afirma ter lido por 10, 12 horas por dia.
Impressões
Após a palestra, as adolescentes do Case puderam fazer suas perguntas para o escritor, que passou mais de 30 anos sem ter sua plena liberdade. Uma das garotas questionou Luiz como foi a sensação de envelhecer na cadeia.
“Não me sinto velho!”, brincou o escritor, antes de responder seriamente o tema. “Foi horrível perder as oportunidades que eu perdi. Eu mesmo sempre gostei de danceteria, de rock. Ficava ouvindo as músicas no rádio, mas não pude curtir nada disso, dessas coisas que a sociedade oportunizava para todo mundo. Isso me magoou bastante”, disse Luiz, que lamentou também ter ficado muitos anos sem contato com seus dois filhos gerados com sua ex-companheira com quem foi casado.
A palestra do escritor parece ter mexido com os sentimentos das adolescentes presentes no encontro. Uma delas é Maria*, 16 anos, que afirmou que o bate-papo a fez refletir sobre a vida. “Até segurei o choro em alguns momentos. Aprendi que mesmo a pessoa estando presa, não deve desistir dos seus objetivos”, disse Maria*.
Luiza*, 17 anos, também ficou sensibilizada com os relatos de Luiz. “Ele foi uma pessoa que sentiu muita dor, sofreu muito e teve que passar por tantas situações. Fez muitas coisas ruins, mas agora está conquistando as boas”, disse.
Lugar de Fala
A terceira edição do Lugar de Fala terá também outro bate-papo nesta terça-feira, 24, agora no Case Salvador, voltado apenas para garotos. O projeto, que já teve outras duas edições (leia sobre aqui e aqui), foi idealizado pelo defensor público com atuação na área de infância e juventude, Bruno Moura.
Presente no encontro na Case Feminina, Bruno afirmou que a ideia do projeto é fomentar debates e fazer com que esses adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas possam ouvir relatos que se relacionem com aspectos da sua realidade.
“Desta vez, trouxemos o escritor Luiz Alberto Mendes, que traz muito dessa ideia do Lugar de Fala, de alguém que viveu dentro do sistema, que é um sobrevivente de todos os processos que se passaram na vida dele, com propriedade para falar sobre essas realidades que ele passou, que são muito próximas dessas adolescentes em cumprimento de medida”.
*Nomes fictícios