COMUNICAÇÃO

“Só podemos entender os quilombolas se compreendermos a questão racial do Brasil”, diz Zulu Araújo em debate na Esdep

03/03/2020 21:31 | Por Lucas Cunha - DRT/BA 2944

Ex-presidente da Fundação Palmares participou de evento do curso de preparação de novos defensores públicos

Discutir a situação da população quilombola na Bahia, estado mais negro do País com mais de 80% da população que se identifica como não branca (entre pretos e pardos), foi o tema da palestra ocorrida nesta terça-feira, 3, no auditório da Escola Superior da Defensoria Pública do Estado da Bahia (Esdep), como parte do curso de preparação à carreira de novos defensores públicos.

O debate teve entre seus ministrantes o baiano Zulu Araújo, ex-presidente da Fundação Palmares (órgão do Governo Federal que certifica as Comunidades Quilombolas no Brasil) entre 2007 e 2010. Atualmente, Zulu é presidente, desde 2015, da Fundação Pedro Calmon, que coordena o sistema de Arquivos e Bibliotecas Públicas da Bahia. Também esteve presente como palestrante o defensor público Gilmar Bittencourt, que é autor do livro “Direito dos Remanescentes de Quilombolas – dimensão de um direito constitucional”.

Histórico

Zulu Araújo fez um apanhado histórico da constituição do povo quilombola, que são formados por descendentes de africanos escravizados. O ex-presidente da Fundação Palmares abordou que o Brasil vivenciou por mais de 380 anos a escravidão, e que isso ainda traz impactos na nossa sociedade, tanto socialmente como no campo jurídico.

“Só podemos entender os quilombolas se compreendermos a questão racial do Brasil. Não vamos conseguir superar o racismo pelo isolacionismo. Há uma necessidade de convocar a sociedade brasileira para discutir o tema. Quem produziu o racismo não foram os negros e sim o estado brasileiro, com instrumentos legais, ao lado dos poderes judiciário e econômico”, disse Zulu Araújo.

O atual presidente da Fundação Pedro Calmon exaltou neste contexto o trabalho da Defensoria, que auxilia o estado a fazer parte dessa correção histórica de desigualdade.

“É a Defensoria que defende o direito daqueles que são despossuídos. E a maioria dos despossuídos no Brasil são pretos. Há uma necessidade de compreender e ouvir a população, e acho que a Defensoria tem isso no cerne do seu trabalho. Fico feliz de vir aqui falar sobre o povo quilombola, porque temos muito trabalho para que o negro seja tratado como cidadão no Brasil”, disse Zulu Araújo.

Importância econômica

Em sua fala, o defensor público Gilmar Bittencourt simulou questões que os novos defensores públicos poderão enfrentar na defesa de direitos da população quilombola e apresentou características, como o fato dessa população ter uma grande importância não apenas cultural, mas também econômica. Segundo o defensor, os quilombolas são um dos principais responsáveis pela produção de alimentos por meio da agricultura familiar para a população, ao contrário do agronegócio, que é mais voltado para a exportação.

“O tema do povo quilombola não é tão difundido em outros estados e temos muitos dos novos defensores que são de fora da Bahia. Por isso, é importante apresentá-los termos que estão na cultura jurídica baiana e que eles vão encontrar nas cidades do interior que irão trabalhar”, explicou o defensor público Gilmar Bittencourt.

Uma das defensoras recém-empossadas presentes no debate é a cearense Priscila Rodrigues. Na visão de Priscila, ouvir as palestras de Zulu Araújo e do defensor Gilmar Bittencourt vai ajudar muito para que ela possa exercer bem seu trabalho junto à comunidade quilombola.

“O evento foi bem construtivo para que nós possamos nos colocar no lugar da comunidade quilombola, já que seremos nós que iremos dar voz a eles na luta pelos seus direitos. Eu me senti muito tocada com a fala do Zulu, e agora me sinto mais capacitada para compreender melhor esta situação”, disse a defensora.

Cotas na DPE/BA

De acordo com a diretora da Esdep, Soraia Ramos, que organiza o curso de formação aos novos defensores, é importante que seus novos colegas na Defensoria saibam que os usuários do serviços da Defensoria são em sua maioria negros, além de destacar que a DPE/BA também já trabalha internamente para diminuir a desigualdade racial nos seus quadros, com uma política de cotas nos concursos para defensores, servidores e estagiários.

“Ainda que sejamos uma Instituição democrática, a quantidade de negros da Defensoria ainda é pequena e esperamos que isso venha a ser modificada com o tempo. Temos ainda um grupo de trabalho institucionalizado para discutir igualdade racial. Além disso, nossa campanha durante o Carnaval teve como tema a defesa da cultura negra”, lembrou a defensora Soraia Ramos.