COMUNICAÇÃO

Sobre a perspectiva do combate à segregação sócio-racial, regularização fundiária é debatida durante seminário da Ouvidoria da Defensoria

09/09/2020 16:37 | Por Júlio Reis - DRT/BA 3352

Mesa contou com falas de diversos representantes negros de movimentos sociais e entidades da sociedade civil baiana

O debate sobre regularização fundiária e políticas de habitação que impactem no combate à segregação sócio-racial marcou a segunda mesa do Seminário “O Direito à Cidade a partir de uma política antirracista”, promovido pela Ouvidoria Cidadã da Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA no começo nesta quarta-feira, 9.

Mediado pela advogada e integrante da Comissão de Direitos Humanos da OAB/BA, Sheila Rolemberg, a conversação virtual foi iniciada pela fala do coordenador nacional de Sustentabilidade e Desenvolvimento Rural do Movimento Negro Unificado, Edmilton Cerqueira. Destacando o direito dos povos indígenas do Brasil por já ocuparem as terras brasileiras desde antemão e da população negra por ter sido a principal construtora das riqueza do país ao longo da história, Cerqueira sustentou o sentido das ocupações como reparação de injustiças histórias.

“O povo não invade, o povo ocupa. Aqueles que ocupam áreas em favor do seu legítimo direito de moradia, não podem ser tratados como criminosos. É preciso que o poder público que não consegue atuar na implantação de programas [habitacionais] adequados e suficientes, não exerça papel de reprimir ocupações espontâneas que historicamente surgiram e seguirão surgindo enquanto houver homens e mulheres negras sem moradia em Salvador”, disse Edmilton.

Para Cleide Coutinho, dirigente nacional do Movimento de Luta pela Moradia, é preciso frisar que a questão da moradia digna é atravessada por uma série de aspectos. “Nós do movimento de moradia é que fazemos chegar serviços que não nos chegam. Quando a gente fala em moradia digna, não falamos em viver entre quatro paredes, falamos em acesso à educação, saúde, transporte, segurança paras as mulheres. É uma série de questões que devem tratar de qualidade de vida e que sem ela não estamos falando de moradia digna”, destacou.

Cleide pontuou ainda a necessidade de impedir os despejos de pessoas que ocupam imóveis ou terras sobre litígio judicial durante o período de pandemia do novo coronavírus. “Vivemos um momento onde existe uma clamor e uma necessidade de isolamento social, com chamados como ‘fique em casa’. Como que num processo como esse seguem ainda tirando as pessoas dos lugares que elas têm, ainda que de forma precária, para viver?”, provocou questionando.

Já o presidente da seção baiana do Instituto de Arquitetos do Brasil, Luiz Antônio de Souza, enfatizou a necessidade de problematizar o tema da regularização fundiária como solução para os problemas de terra e condições de moradia.

“Quando se centra a discussão, após um processo de ocupação, no tema do aspecto da regulação fundiária, da titulação, como é que eu estou pensando esta regularização? Será que não é essa a regularização que interessa aos especuladores imobiliários? É bom que se fique atento a repercussões de novos instrumentos [de regularização] do ponto de vista da capacidade dele de atender o que o movimento popular reivindica, quer, deseja, que não é apenas moradia, mas condições de habitação e permanência no território”, destacou Luiz Antônio.

Destacando a condição jurídica da Defensoria de atuar como “custos vulnerabilis” (guardiã dos vulneráveis) – onde em todo e qualquer processo que se discuta interesses de pessoas financeiramente carentes pode ter a intervenção da Instituição – a defensora pública Bethânia Ferreira de Souza que atua no Núcleo Especializado de Prevenção, Mediação e Regularização Fundiária apontou aspectos, dados e questões relativas ao papel da DPE/BA nos conflitos fundiários urbanos.

“O direito à moradia não é tão apenas aquele assegurado pelo direito imobiliário. Nosso público de assistido é aquela pessoa que não tive acesso à terra, é aquela que não tem títulos de posse de sua casa. Quando à Defensoria cria um núcleo para tratar de moradia, na verdade, ela está criando um núcleo que majoritariamente vai tratar da moradia da população negra. Porque quem ocupou a terra na cidade de Salvador, de uma forma não convencional, marcada por todos os processos de exclusão já mencionados, foi a população negra”, comentou Bethânia Ferreira.

O debate “Regularização fundiária e habitação” está acessível e pode ser conferido no canal do Yotube da DPE/BA neste link.