COMUNICAÇÃO
Solenidade abre I Encontro Brasileiro dos Defensores Públicos de Execução Penal
Solenidade abre I Encontro Brasileiro dos Defensores Públicos de Execução Penal
Em solenidade realizada no auditório da Fundação Luís Eduardo Magalhães (FLEM), no CAB, foi aberto, nesta quinta-feira, 26, o I Encontro Brasileiro dos Defensores Públicos de Execução Penal. O evento conta com a participação de defensores públicos de 14 estados, que atuam exclusivamente na área de execução penal, e dois integrantes da Defensoria Pública da União. Durante três dias, com a realização de palestras e oficinas, eles vão trocar experiências e debater problemas comuns, vivenciados na atuação institucional cotidiana. A iniciativa é da subcoordenação da Especializada de Crime e Execução Penal em parceria com a Escola Superior da Defensoria Pública da Bahia (ESDEP).
A solenidade de abertura inciou-se com a formação da mesa, composta pela defensora pública geral, Vitória Beltrão Bandeira, pelo diretor da ESDEP, Daniel Nicory, pelo subcoordenador da Especializada de Crime e Execução Penal, Alan Roque de Araújo, pela vice-presidente da Associação dos Defensores Públicos da Bahia (ADEP-BA), Cristina Ulm, pelo promotor de justiça, Geder Luís da Rocha Gomes, na ocasião representando o procurador geral de justiça, e pelo conselheiro da seccional da OAB, Valdir Santos, representando o presidente da entidade.
Após a execução do hino nacional, a defensora pública geral saudou os membros da mesa e deu as boas-vindas aos participantes do encontro. Em seguida, Vitória Beltrão iniciou o seu discurso chamando a atenção, como tem feito repetidamente, para uma cultura prisional que se estabeleceu no país. Destacou que o Brasil tem hoje a quarta maior população carcerária do mundo, com quase 550 mil presos, e disse que, na verdade, esta não tem sido a melhor forma de se enfrentar o problema da criminalidade e da ressocialização das pessoas privadas de liberdade.
A defensora pública geral enumerou diversos fatores que determinam o fracasso da política de encarceramento. Dentre eles, as péssimas condições dos presídios, a superlotação e o alto índice de reincidência dos presos. Além disso, mais uma vez, ela criticou a não adoção das penas e medidas alternativas oferecidas pela legislação vigente.
"O que temos hoje é a força de uma cultura prisional. Em muitos casos, em vez da aplicação cabível de penas e medidas alternativas, opta-se, quase sempre, pela prisão. As penas privativas de liberdade devem ser reavaliadas, pois o que se deve fazer é estancar a pura e simples criminalização da pobreza", disse Vitória Bandeira.
O aspecto econômico da política de encarceramento também foi abordado pela defensora pública geral. Em seu pronunciamento, ela citou diversas cifras a respeito dos gastos que o estado da Bahia é obrigado a custear. O sistema carcerário estadual comporta, hoje, 12 mil presos, sendo que sua capacidade de vagas é para 8.500, e consome 360 milhões de reais por ano. Além desse gasto, há a população de 4.500 presos provisórios em delegacias que consomem R$11,25 milhões por mês. Na Bahia, o custo mensal de um preso é de R$ 2,5 mil.
"Os exemplos de injustiças estão na própria lei, que beneficia os mais ricos e sempre criminaliza as ações dos mais pobres. É o ciclo intergeracional de retroalimentação da pobreza. Nossa tarefa, neste momento, é mais que um embate teórico, é ajudar a construir a justiça social e um verdadeiro Estado de Direito, afirmou Vitória Beltrão.
Representando a presidente da ADEP, a defensora pública Cristina Ulm também saudou os presentes e reforçou a importância do evento e de seus propósitos, assim como a qualidade dos palestrantes e participantes do encontro. Disse estar muito à vontade para falar sobre questões relativas à execução penal, por sua militância anterior neste setor, e enalteceu o papel do defensor público que atua nesta área, "pois é ele quem vai dar voz a quem perdeu o seu bem maior, a liberdade".
A palestra da noite, "Discurso e Prática da Defensoria Pública na Execução Penal", foi feita pelo diretor da ESDEP, Daniel Nicory. Por sua formação acadêmica, seus trabalhos de pesquisa e sua atuação prática na área de crime e execução penal, ele é visto como referência pelos colegas. Antes de iniciar propriamente sua fala, Nicory tentou sintetizar, sem ceticismo, o que representa a função do defensor público:"Remar contra a maré e dar murro em ponta de faca".
Partindo de três premissas para a construção de uma análise mais aprofundada da realidade atual do sistema penal brasileiro, o diretor tomou como referências a falência do sistema carcerário, a seletividade do sistema penal e o alarmante índice de reincidência. No entanto, destacou que o que poderiam ser pontos de convergência, num primeiro momento, dependendo do viés ideológico de quem interpreta a realidade, estes mesmos pontos podem tornar-se contraditórios.
"Temos de estar atentos ao discurso da seletividade, da impunidade, pois a lei é excessivamente severa com os pobres e excessivamente branda com os ricos. Não pregamos a impunidade, mas também não podemos deixar de admitir que há um tratamento diferenciado para a punição de ricos e de pobres. Veja-se, por exemplo, como é tratada a questão da dívida de tributos, a questão da reparação do dano", afirmou.
Durante quase uma hora, ele abordou vários aspectos que envolvem posições, dilemas, estratégias e decisões que devem ser adotadas no embate com essa situação e citou, como ilustração da dimensão do problema a ser enfrentado, o caso das drogas. "O discurso hegemônico da opinião pública é o medo. E o medo imobiliza, paralisa. A sociedade responsabiliza as drogas por todos os crimes", disse Nicory.
Para ele, o desafio que está posto é construção de um discurso contra-hegemônico, mas que chegue à sociedade, através dos meios de comunicação. Em sua avaliação, isso é muito difícil, pois há uma série de entraves, de obstáculos a serem superados. Segundo o defensor, fazer chegar à academia é muito fácil, mas vencer as resistências impostas pelo senso comum é muito mais complexo.
O diretor avança nas teses e diz que a prática da Defensoria Pública tem dois deveres potencialmente contraditórios: a eficiência na prestação dos seus serviços e a humanidade no atendimento. "Temos de agir com transparência com o preso e com a sua família. Então, como equilibrar essa tensão? Esse é o nosso desafio. Essa é a proposta deste encontro. Precisamos de racionalidade na ação. Nisto, temos um diferencial, a nossa independência", enfatizou.
Discorrendo sobre os modelos de assistência jurídica gratuita, Daniel Nicory lembrou o defensor dativo, cuja autonomia não é total, já que indicado pela própria autoridade julgadora, o modelo caritativo, pro bono, que não garante a permanência, a constância e a continuidade da assistência e o defensor público, nos moldes definidos no Brasil.
"Temos de agir honrando as virtudes do modelo adotado pelo Brasil da Defensoria Pública. 'Endurecer, sem perder a ternura' jamais'. Gosto dessa frase do Che", finalizou.