COMUNICAÇÃO
STF inicia julgamento sobre ação que limita a participação da sociedade civil nas defensorias
Proposta pelo PSL, a ADI 4608 questiona a legitimidade das ouvidorias externas e pode representar grave retrocesso no mecanismo de controle social e participação popular nas defensorias
Mais uma tentativa de enfraquecimento das defensorias públicas deve ser votada no Supremo Tribunal Federal (STF) a partir desta sexta, 19. Trata-se da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4608 apresentada pelo Partido Social Liberal (PSL), em 2011, que questiona os dispositivos legais que tratam sobre a ouvidoria externa das defensorias públicas estaduais, únicas instituições do Sistema de Justiça que possuem ouvidorias externas. O julgamento virtual da ADI está na pauta para acontecer entre 19 e 26 de novembro.
O partido pede que seja declarada a inconstitucionalidade do dispositivo previsto na Lei Complementar 132/2009, que proíbe que integrantes da carreira de defensor/a sejam nomeados para o cargo de ouvidor/a-geral. Esse dispositivo contribui com a imparcialidade na condução das ouvidorias, fiscalização e interlocução com usuárias/os e sociedade civil. Caso a proposta seja acatada pelo STF, os/as ouvidores/as podem voltar a ser indicados pela própria instituição sem participação popular.
“Isso pode significar o fim da participação da sociedade civil na administração das defensorias públicas. Essas pessoas trazem outros saberes, outras vivências, outra visão de sociedade e, com isso, deixam a instituição mais plural e mais capacitada. A Defensoria Pública no país inteiro tem ampliado seus horizontes e identificado problemas que não eram vistos a partir da atuação das suas ouvidorias”, destaca o defensor público geral, Rafson Ximenes.
A ouvidora-geral, Sirlene Assis, também aponta as ouvidorias externas como um dos principais elos entre a população mais vulnerável e as defensorias por trazer para a instituição o olhar da sociedade civil. E, com isso, contribuir para a democratização do sistema de justiça e aproximação da Defensoria Pública com as demandas coletivas.
“Somos nós que articulamos as ações com os quilombos, com os indígenas, com os ribeirinhos, com os povos ciganos. Antes de chegar no defensor público, essas demandas chegam na Ouvidoria porque estabelecemos uma relação de confiança com os movimentos sociais e construímos redes com os poderes públicos municipais, estaduais e federais com a perspectiva de democratizar o Sistema de Justiça e aproximar a Defensoria”, ressaltou.
Pelas regras atuais, o/a ouvidor/a deve ser escolhido pelo Conselho Superior a partir de lista tríplice formada pela sociedade civil. O PSL argumenta ser inconstitucional vedar que defensores/as públicos/as possam ser eleitos nesse processo e, além do artigo 105-B que garante a participação da sociedade civil nas defensorias, a legenda questiona a constitucionalidade dos dispositivos 105-A, que define a ouvidoria, e 105-C, que lista as competências do órgão.
A socióloga e defensora popular de direitos humanos Vilma Reis, aponta que as ouvidorias externas constituem um dos mais sofisticados instrumentos de participação popular construídos nos últimos 20 anos no Brasil. “Este é um lugar de controle social e participação com possibilidade real de construção da democracia popular. Como ativistas nesse campo, precisamos ir à luta contra decisões reacionárias que coloquem no atraso político o acesso do nosso povo à justiça. O que precisamos é ampliar as ouvidorias externas para os outros entes do Sistema de Justiça, como MP, MPF, TJs”, enfatizou.
Na Defensoria Pública da Bahia (DPE/BA), a previsão de que o/a ouvidor/a-geral não seja integrante do quadro de defensores/as públicos/as está garantida na lei estadual 26/2006, que antecede em três anos a Lei Federal 132. Para Sirlene Assis, essa configuração possibilita uma atuação integrada da instituição com as demandas populares e que ela esteja na vanguarda da garantia de direitos.
“Mesmo antes de o STF ter proibido remoções forçadas durante a pandemia, nós já estávamos articulando com a Defensoria Pública da Bahia para, de forma extrajudicial, garantir que não houvessem esses despejos. Eu estimo que tenhamos garantido moradia para mais de 3 mil pessoas nesse período”, conta.
Mobilização Nacional
O Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos Gerais (Condege), a DPE/BA e outras defensorias estaduais são amicus curiae – amigo da corte – no processo. “Nós estamos atuando em defesa da população. A defesa da população é também uma defesa da Defensoria para que ela continue, cada vez mais, sendo a instituição que muda o panorama jurídico e promove a democratização do sistema de justiça”, destaca o também secretário-geral do Condege, Rafson Ximenes.
No último dia 11 de novembro, o Conselho Nacional de Ouvidorias das Defensorias Públicas (CNODP) promoveu um ato em defesa das ouvidorias. A manifestação ocorreu em formato de videoconferência e contou com a participação de dezenas de movimentos sociais de todo o país, que se posicionaram contra o ataque e prometeram uma série de movimentações em defesa das defensorias públicas e das suas ouvidorias.
Ataque às defensorias
No último dia 12, o STF iniciou o julgamento de outra ação que atenta contra os serviços prestados pelas defensorias. Movida pelo Procurador-Geral da República, Augusto Aras, a ADIN pede o fim da prerrogativa de requisição de documentos e informações por parte das defensorias. Como evidenciado pelo Relatório Prerrogativa de Requisição e Acesso à Justiça feito pela Defensoria da Bahia, esse instrumento é fundamental para o atendimento da população mais vulnerável. Por meio dele, defensores/as públicos/as têm acesso a informações que possibilitam a resolução célebre de demandas.
Durante o julgamento, o relator do caso, o ministro Edson Fachin, votou pela improcedência do pedido do Procurador. Logo depois, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista. O julgamento no Plenário virtual continuará assim que Moraes terminar sua vista.