COMUNICAÇÃO
STJ concede habeas corpus a adolescente assistido da Defensoria sujeito a cumprir medidas cautelares fora dos limites do ECA
Tribunal destacou que a decisão fixada em primeira instância era desproporcional; Defensoria alertou que sentença era prevista no Código Penal e mais gravosa que as medidas socioeducativas
O Superior Tribunal de Justiça – STJ concedeu habeas corpus solicitado pela Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA em favor de um adolescente assistido da Instituição, na cidade de Alagoinhas, processado pela prática de ato infracional análogo ao delito de tráfico de entorpecentes. A ordem foi expedida para excluir as medidas cautelares impostas ao adolescente em primeira instância e referendadas pelo Tribunal de Justiça da Bahia. No seu recurso, a Defensoria alertou que a sentença era prevista no Código de Processo Penal e ultrapassava os limites do Estatuto da Criança e do Adolescente (Eca).
No habeas corpus, o STJ também recomendou ao Juízo de Direito responsável pela execução que inicie o cumprimento das medidas socioeducativas quando avaliar conveniente, considerando questões sanitárias e o aparelho estatal disponível. “Na hipótese em foco, as medidas cautelares impostas ao adolescente não encontram amparo na legislação de regência. A fixação das referidas restrições são mais gravosas que a própria medida socioeducativa de liberdade assistida imposta ao adolescente”, diz a decisão. A ordem da corte também possibilita que o juiz responsável pela execução modifique a medida socioeducativa aplicada, a qualquer tempo, de acordo com a situação pessoal e as necessidades de ressocialização do adolescente.
Defensor público estadual com atuação na Instância Superior – que impetrou o Habeas Corpus perante o STJ – Marcelo Borges explica a importância da decisão da corte em relação ao tema. “O Superior Tribunal de Justiça compreendeu, na linha do que fora sustentado pela Defensoria, que as medidas cautelares, por implicarem em restrição da liberdade, devem ter previsão legal e ser aplicadas de modo proporcional e adequado, levando em consideração a proibição de tratamento mais gravoso ao adolescente em relação ao adulto, que é um princípio que deve orientar a atuação da Justiça da Infância e Juventude”.
Previsto na Constituição Federal e no Código de Processo Penal, respectivamente nos artigos 5º e 647, o habeas corpus deve ser concedido sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar. Para o coordenador da 13ª Regional da Defensoria da Bahia, Danilo Rodrigues, que acompanhou o caso de perto desde o início, a concessão do habeas corpus é paradigmática e representa o total respeito às garantias processuais e constitucionais dos direitos dos adolescentes assistidos pela DPE/BA.
“Por um lado, foi garantido o acesso integral à Justiça, pois o caso que aconteceu aqui em Alagoinhas foi levado à apreciação de um tribunal superior, em Brasília, no Distrito Federal, para que pudesse ser revisto pelo poder judiciário. Por outro lado, demonstra a atenção cuidadosa que a Defensoria tem com todos os casos de violação de direitos dos adolescentes”, explicou. No julgamento em primeira instância, foi determinado que o adolescente cumprisse medida socioeducativa de liberdade assistida pelo prazo de um ano e prestasse serviços à comunidade pelo prazo de seis meses, logo após a decretação do fim da pandemia de Covid-19.
No entanto, a questão principal reside na aplicação das medidas cautelares, que estão previstas no Código de Processo Penal e não no Estatuto da Criança e do Adolescente. Entre as medidas cautelares fixadas em desfavor do adolescente estavam o recolhimento domiciliar a partir das 18h, o comparecimento perante a autoridade sempre que intimado, a proibição de mudança de residência sem prévia permissão da autoridade processante, além da proibição de ausentar-se por mais de oito dias de sua residência sem comunicar à autoridade o lugar onde será encontrado, tudo isso sob a advertência de decretação da internação do menor, com imediato translado para ambiente institucional, caso descumprisse alguma dessas medidas.
“Ao analisarmos a sentença, verificamos que a decisão em primeira instância estava em desacordo com os tratados internacionais, com a Constituição Federal, com o Estatuto da Criança e do Adolescente, e com a lei que regulamenta a execução das medidas socioeducativas”, explicou o defensor público Danilo Rodrigues. Um recurso foi apresentado pela Defensoria da Bahia ao Tribunal de Justiça da Bahia, que confirmou a decisão da primeira instância. Foi necessário, então, apresentar o pedido de Habeas Corpus ao STJ, a fim de garantir todos os direitos do adolescente.
O Superior Tribunal de Justiça afirmou ainda que o prolongamento da fixação das medidas cautelares impostas “até que seja decretado o fim da pandemia pelo novo Coronavírus atenta contra os princípios da brevidade, da excepcionalidade, da atualidade e da proporcionalidade” e que as medidas socioeducativas têm caráter pedagógico, que o adolescente é pessoa em desenvolvimento e sujeito à proteção integral. Logo, as ações impostas devem visar a sua reeducação e formação.