COMUNICAÇÃO
“Temos a obrigação de lutar”: Ouvidoria da DPE/BA realiza audiência pública em defesa de terreiro em Cachoeira
Ouvidora geral, ouvidora adjunta e defensores públicos participaram do debate contra intolerância religiosa e agressões aos povos de axé no Terreiro Ilê Axé Icimimó Aganju Idê
“Para todo o povo de santo, para toda a religião afrobrasileira, hoje é um dia muito importante. É o dia de discutirmos o direito do povo de santo de professar sua fé, cultuar nossos ancestrais, nós que também somos uma religião, voltada para a natureza e para cuidar da vida. Temos a obrigação de lutar”. Foi com essas palavras que Pai Duda de Candola, líder religioso do Terreiro Ilê Axé Icimimó Aganju Idê, recebeu a audiência pública ocorrida na última terça-feira (21), na sede do terreiro secular do Recôncavo, tombado como patrimônio imaterial baiano.
Promovida pela Ouvidoria Cidadã da Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE-BA), a audiência trouxe como tema “Direitos ao Patrimônio Histórico, Cultural e Territorial”, e teve como objetivo debater os reiterados episódios de intolerância religiosa, racismo religioso e agressões do direito ao território de comunidades tradicionais e povos de religião de matriz africana, especialmente o próprio Terreiro Icimimó, alvo de violências perpetradas pelo empresariado local.
O evento foi planejado após a realização de escuta ativa com a comunidade do terreiro e do município, como lembra Naira Gomes, Ouvidora Geral da DPE/BA. “A audiência pública marca a batalha do terreiro contra a especulação imobiliária, contra o empreendimento que vem invadindo territórios sagrados, destruindo árvores, plantas, fontes, e não só o Icimimó, mas também terreiros do entorno. A DPE está aqui para garantir o livre culto, o respeito do território, e a dignidade que toda a população merece”, reafirma a Ouvidora.
A audiência apresentou um panorama das agressões, ameaças e violações de direitos, convocando diferentes atores do Poder Público para viabilizar a apuração e punição dos fatos narrados. Entre os encaminhamentos resultantes do encontro, estão medidas para proteger a flora local, a realização de reuniões com outras instituições, e a redação de um protocolo de proteção e segurança das comunidades tradicionais da Bahia. Para a Ouvidora Adjunta da DPE/BA, Rutian Pataxó, o saldo do encontro foi positivo. “Foi um evento muito importante, não só por ser a primeira audiência da nossa gestão, mas por ter sido nesse território. Cachoeira é um marco na resistência dos quilombolas e dos povos tradicionais”, avaliou.
O passado de lutas de Cachoeira, cenário decisivo das batalhas ocorridas no Recôncavo Baiano nas Guerras de Independência, também foi exemplo relembrado pelos defensores públicos
presentes na audiência. “A Bahia como a conhecemos começa aqui em Cachoeira, e a Bahia precisa ser resgatada aqui”, afirmou o defensor público e assessor especial Gilmar Bittencourt, integrante do Núcleo de Equidade Racial da DPE/BA. “A Defensoria Pública tem lado, e deve seguir a obrigação constitucional e legal de proteção dos povos de terreiro. Não podemos deixar cair o Icimimó. Saímos daqui com metas e objetivos concretos para a defesa da comunidade”, sintetizou.
No mesmo sentido, o defensor público de Cachoeira, Matheus Cardozo, relembrou o passado do município e reforçou a importância da aproximação entre a DPE e os povos de terreiro e quilombolas. “Cachoeira é um marco da nossa história, aqui foi onde aconteceu a verdadeira liberdade do Brasil. A Defensoria se instalou na comarca recentemente, e um dos nossos nichos de atuação é justamente dar voz e vez àquele público que, infelizmente, fica invisibilizado. É muito importante a estadia da Defensoria aqui hoje que, graças a Deus e com muito axé, será uma estadia permanente”, afirma.
Para a prefeita de Cachoeira, Eliana de Jesus, a luta pelo direito de liberdade religiosa deve ser encarada como um projeto coletivo. “Somos todos hoje Icimimó. Quando um terreiro é ameaçado, não envolve apenas quem é da casa, mas envolve a todos. Agradeço a Defensoria Pública do Estado pela iniciativa. É possível, sim, conviver com a diversidade. Eu sou evangélica, mas sempre convivi de forma harmônica, respeitando o espaço das religiões”, relatou durante o evento.
Além de líderes espirituais, frequentadores das casas de axé, população local e representantes da sociedade civil, a audiência pública contou com a presença de integrantes da Defensoria Pública da União (DPU), Ministério Público do Estado da Bahia (MPBA), Prefeitura de Cachoeira, Câmara Municipal de Cachoeira, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC), Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Secretaria da Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP-BA).