COMUNICAÇÃO

Toque de Recolher:Carta de Recomendação de Salvador é aprovada pela sociedade

06/09/2011 16:51 | Por

De forma unânime foi aprovada na manha de hoje (2) por representantes da sociedade civil, de Conselhos de Direitos, Conselhos Tutelares, defensores públicos, promotores e juízes, a Carta de Recomendação de Salvador que, em seu teor, é contra ao "Toque de recolher". A medida, que já é Lei em Feira de Santana, município baiano, estabelece um horário para crianças e adolescentes estarem em casa e vem gerando polêmica no meio jurídico e nas organizações que atuam em defesa dos direitos das criança e do adolescente, por acreditarem que ela fere o princípio constitucional da liberdade de ir e vir do cidadão. O debate e a elaboração da Carta foram realizados nesta manhã, em uma audiência promovida pela Defensoria Pública do Estado da Bahia, no Palácio da Aclamação, no Campo Grande.

A opinião da Defensoria é que o "Toque de Recolher", já rebatida pelo STJ, fere completamente a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente. "Existe uma grande preocupação com esse procedimento e por isso chamamos à sociedade para a discussão, pois essa medida é de natureza autoritária, de usurpação do exercício do poder familiar e de desrespeito ao direito à liberdade de ir e vir", ressaltou a defensora pública Hélia Barbosa, subcoordenadora da Especializada em Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Defensoria, responsável pelo evento. "Os jovens estarão realmente protegidos quando o ECA for efetivamente cumprindo", diz.

Durante as discussões, a defensora geral do Estado, Célia Padilha, aponta o Toque de Recolher como um retrocesso no que tange à democracia e afirma ser a implantação de políticas públicas a solução para os problemas sociais. "Precisamos é lutar para garantir o direito à educação, saúde, lazer, emprego para os pais, e não medidas inconstitucionais como essa. Diante de sua competência, a Defensoria Pública lutará para garantir esses direitos, pois entendo que o Toque de Recolher restringe-os completamente e isso não iremos conceber", declara. Representando o governador do Estado, Almiro Sena, da Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SJCDH), também tem opinião compatível. "Temas como esse merecem, de fato, uma ampla discussão, pois nenhum procedimento deve estar em dissonância com o direito constitucional do cidadão. Parabenizo a Defensoria por essa iniciativa, pois qualquer medida de proteção é bem vinda."

Em sua explanação, o juiz de direito de Brasília, Daniel Isller, membro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, afirma. "Essa medida é desnecessária. De pouco adianta prevê uma norma, se o sistema de proteção não tiver preparado para atender os direitos da criança e do adolescente. Sem dúvida, a família é o primeiro ponto a ser trabalhado. Se a criança e o adolescente está em situação de risco, é uma falha da sociedade, da família, do Estado", comenta ele assim como o defensor Público do Estado de São Paulo, Presidente da Comissão da Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente do Conselho Nacional de Defensores Gerais - Condege e membro do Conselho Nacional dos Direitos da Crianca e do Adolescente - Conanda. Ao abrir o debate, Messias Moura, 49 anos, representando a comunidade de Pernambués, relembra sua infância difícil e como luta para educar seus dois filhos. "É impressionante como percebemos a dificuldade para instalação de escolas adequadas para os jovens do bairro, precisamos é de educá-los, prestarmos conhecimentos a eles. Isso sim deveria ser pensado e efetivado pelo poder público e não voltarmos ao passado de forma tão negativa". A inconstitucionalidade também é pontuada pelo promotor de Justiça Millen Castro. "Essa medida parece ter sido escrita por pessoas sem nenhum conhecimento jurídico. Dessa maneira, estamos voltando a um Estado nazista", critica.


Toque de Recolher já é Lei em Feira de Santana

No município de Feira de Santana, o Toque de Recolher já é Lei, embora, segundo a defensora pública Sandra Risério, subcoordenadora da regional da Defensoria, a medida não venha sendo efetivada na prática. "Foi com muita tristeza e preocupação que vi promulgada essa Lei, que representa um estádio de sítio, a volta à ditadura. Por esse motivo é necessária a discussão, a fim de que não avance por outros municípios baianos", conta ela ao dizer que muitos acreditam no fim da violência, da criminalidade com esse recolhimento, o que, para a defensora, não é verdade, pois não será o horário para entrar em casa que determinará a ordem social e sim a implantação de políticas públicas. Atualmente cerca de 50 cidadaes brasileiras aderiram a medida.


Outras questões como: que público será vítima do toque de recolher e como seria operacionalizada a sua aplicação também tiveram relevância no debate. "Precisamos pensar do ponto de vista étnico, racial, pois as vítimas dessa arbitrariedade serão os negros e pobres de bairros periféricos", destaca Tânia Palma, ouvidora geral da Defensoria Pública. Entre outras opiniões, foram encerradas as discussões e formatado o documento que recomenda a discordância quanto ao Toque de Recolher, o qual será debatido junto à Câmara dos Vereadores de Salvador, conforme sugeriu a ouvidora e a vereadora Marta Rodrigues, também presente no evento.

ECA

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (art.106), "crianças e adolescentes somente podem ser privados de liberdade quando em flagrante de ato infracional ou mediamente ordem escrita, fundamentada, individualizada e legal de autoridade judiciária competente, sendo considerado crime sua privação de liberdade fora das hipóteses legais". Expedido fora da competência normativa da Justiça da Infância e da Juventude, para a Defensoria, o Projeto Toque de Recolher é um ativismo judicial, traduzindo a imposição de Magistrados de algumas cidades brasileiras, inclusive da Bahia, em utilizar equivocadamente a competência que lhe é conferida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.