COMUNICAÇÃO

Expedição Sertaneja: Em Rodelas, exame de DNA realizado por família indígena pode revelar se criança dada como morta há 30 anos está viva

06/06/2023 10:16 | Por Ailton Sena DRT 5417/BA | Arte: Aline Sales

Apesar de ter sido dada como morta pelo hospital, o corpo da criança de 11 anos nunca foi entregue à família

O exame de DNA para investigação de maternidade realizado durante a passagem da Unidade Móvel de Atendimento da Defensoria em Rodelas, no Território de Identidade Itaparica, pode desvendar o mistério sobre o desaparecimento de um corpo e reunir uma família indígena separada há 30 anos. O material genético coletado pelas integrantes da etnia pankará Maria das Graças da Silva, 63, e Auristela Silva Rosena, 35; e por Marluce dos Santos, 46, poderá dizer se essa última é a criança dada como morta após ter sido internada com um quadro de pneumonia, anemia aguda e cisto no cérebro.

“Eu passei um mês com ela no hospital de Floresta Azul, depois ela foi transferida e não pude acompanhar porque ficava longe e tinha que cuidar dos outros filhos. Deixei ela com as enfermeiras e a assistente social. Dias depois me ligaram dizendo que ela tinha morrido, mas não deram conta do corpo, nem das roupas que ela levou, nem de nada. Fomos ao hospital e o corpo tinha sumido”, relembra Maria das Graças.

A ausência do corpo e de documentos sobre a morte da criança de 11 anos registrada como Ângela Silva Rosena manteve acesa, no coração da mãe, a esperança de que ela estivesse viva. E, anos depois, a notícia de que uma mulher com deficiência intelectual morando em Rodelas reconheceu uma amiga de infância de Ângela, perguntou pelos padrinhos e pela mãe Gaguinha, como Maria das Graças é conhecida, trouxe a certeza de que a família estava prestes a se reencontrar.

“Quando soube dessa história, disse logo que a gente tinha que fazer DNA, pedi a minha mãe pra vir conhecê-la e, quando ela mandou a foto, tive certeza que podia ser ela [Ângela]. Os traços são muito parecidos com os da gente. A única coisa que quero com esse DNA é acabar com essa dúvida”, desabafa Auristela.

Para realizar o exame e acabar com a dúvida, ela enfrentou os 169 km que separam Santa Maria da Boa Vista – PE, onde mora, de Rodelas-BA, onde vive a suposta irmã. Já dona Maria se deslocou por uma hora nos 74 km que separam sua casa em Itacuruba-PE do município baiano.

O desfecho dessa história que sensibilizou toda a equipe da Unidade Móvel se dará entre 60 e 90 dias quando, segundo o servidor responsável pela coleta, Marcos Batista, será feita a entrega do resultado do exame. Para a coordenadora do Núcleo de Gestão de Projetos e Atuação Estratégica, Cristina Ulm, um atendimento como o prestado à família indígena representa não apenas o cumprimento de um dos serviços ofertados pela Unidade Móvel, mas também a demonstração de seu potencial de transformação na vida das pessoas.

“Espero que o resultado desse exame possa dar fim à agonia que o sumiço do suposto corpo trouxe à essa família. Com sorte, no momento da entrega poderemos dar uma ótima notícia a essas mulheres tão sofridas, reconectá-las como família e possibilitar que tenham a oportunidade de recuperar o tempo perdido”, comentou a defensora pública, emocionada.

Se o exame confirmar a suspeita de Auristela, Marluce será o segundo parente perdido que reencontra. Em 2021, através das fotos nas redes sociais, ela reencontrou o irmão que havia sido roubado com quatro meses de vida. Nesse caso, a resolução foi mais fácil pois o jovem usava os nomes de registro. “A história que contavam pra ele é que ele tinha sido dado por pessoas em situação de rua, mas conversando com ele pela internet contei a história toda”, lembra Auristela.

A suposta irmã

Marluce Santos, a suposta irmã de Auristela, chegou em Rodelas por volta dos anos 2000 acompanhada pelo companheiro e viveu em situação de rua até ser acolhida por uma família. Através de uma ação judicial, foi registrada com o atual nome e data de nascimento estimada em 01 de janeiro de 1977. De acordo com a advogada Ione Nogueira que, após o falecimento da mãe adotiva, atua no processo de transferência da curatela de Marluce, ela possui deficiência intelectual.

“As vezes ela conversa e lembra de muita coisa do passado e tem horas que não lembra de nada. É como se o cérebro parasse e depois voltasse. Durante o processo de registro civil, ela sempre disse que se chamava Marluce, mas hoje ela disse que tinham botado o nome dela de Ângela e isso  pode ter sido uma lembrança”, conta a advogada.

Atendimentos jurídicos e educação em direitos

Durante a passagem da UMA em Rodelas, foram realizados 83 atendimentos para demandas de resolução extrajudicial. Além dos exames de DNA, foram feitos acordos de alimentos, divórcios, retificações de registro, consultas processuais, orientações diversas, entre outros.  Por onde passa, o caminhão da cidadania também ajuda a difundir as iniciativas de educação em direitos da Defensoria e não foi diferente no município.

Em reunião com o secretário de Educação, Josevan Tuxá, a Defensoria iniciou diálogo para difundir a campanha Infância sem Racismo e a publicação “Eu Me Protejo”. “Educando nossas crianças, poderemos ter um futuro melhor, sem racismo e sem preconceito de todo o tipo. E é justamente esse trabalho que tem sido feito pela Defensoria Pública da Bahia” afirmou a defensora pública Cristina Ulm.

Integrante do povo Tuxá, o secretário Josevan se comprometeu a difundir as iniciativas da DPE/BA no município e ressaltou a importância do combate ao racismo em todos os espaços. “Aqui em nosso município temos indígenas de diversas etnias e o racismo é menor, mas quando saímos daqui, até mesmo nas universidades, vivenciamos com mais força esse tipo de violência. É fundamental educarmos as crianças”, reforçou.

A próxima parada da UMA será em Chorrochó, também no Território de Identidade Itaparica. Desde a nossa saída de Salvador, a Unidade Móvel de Atendimento percorrerá 1.337 quilômetros levando acesso à justiça aos lugares mais distantes dos grandes centros e que não possuem sede própria da Defensoria.

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