COMUNICAÇÃO

Violência contra a mulher é um problema de proporções endêmicas, afirma OMS

17/07/2013 19:41 | Por

A violência física e sexual é um problema de saúde pública que afeta a mais de um terço de todas as mulheres do mundo, segundo relatório da Organização Mundial de Saúde - OMS divulgado recentemente. Para o órgão vinculado à Organização das Nações Unidas, trata-se de um problema de saúde global com proporções endêmicas.

O relatório "As estimativas globais e regionais de violência contra as mulheres: prevalência e os efeitos da violência doméstica e da violência sexual conjugal na saúde", publicado na úlitma semana, é o primeiro estudo sistemático de dados globais sobre a violência contra as mulheres exercida tanto pelo parceiro como por outras pessoas. Cerca de 35% de todas as mulheres do mundo vão sofrer violência doméstica ou fora do ambiente familiar, em algum momento de suas vidas, aponta o documento. O estudo revela que a agressão praticada pelo companheiro é o tipo mais comum de violência contra as mulheres - 30% deste grupo em todo o mundo.

NUDEM

Os números do Núcleo Especializado na Defesa da Mulher da Defensoria Pública da Bahia - NUDEM comprovam o que, na prática, as instituições ligadas ao atendimento à mulher vítima de violência constatam: as agressões começam em casa. Apenas em 2012, das 4.058 mulheres atendidas pela Defensoria por terem sido agredidas ou sofrido ameaças de agressão/morte, mais da metade dos agressores foram identificados como os próprios companheiros, maridos ou ex-companheiros das vítimas.

"Se pensarmos que a subnotificação dos casos de violência doméstica contra a mulher pelos profissionais de saúde em algumas cidades brasileiras chega a 95,5%, se comparado com outro serviço de atendimento a mulheres em situação de violência, qual seja, o da polícia civil, estamos realmente diante de um fenômeno de proporção epidêmica", reforça a defensora pública, Firmiane Venâncio, coordenadora do NUDEM. Para a profissional, a questão que se coloca, ainda utilizando a nomenclatura médica, é qual a profilaxia mais eficaz no enfrentamento deste problema, cujas causas estruturantes estão não em vírus ou bactérias, mas em modelos culturais historicamente estabelecidos e calcados nos espaços de poder estabelecidos para homens e mulheres na sociedade.

Ao procurar a Defensoria Pública, a vítima de violência é atendida por defensoras públicas, que analisam a situação apresentada e verificam quais medidas deverão ser adotadas. Dependendo do caso, a instituição poderá entrar com ações de medidas protetivas - medidas de urgência, em casos onde a vítima corre sério risco de ser agredida ao voltar para casa depois de fazer a denúncia. Entre elas, estão, por exemplo:

• Obrigar que o agressor seja afastado da casa ou do local de convivência da vítima;
• Proibir que o agressor se aproxime ou que mantenha contato com a vítima, familiares e testemunhas;
• Obrigar o agressor à prestação de alimentos para garantir que a vítima dependente financeiramente não fique sem recursos;
• Proibir temporariamente contratos de compra, venda ou aluguel de propriedades que sejam bens comuns.

Quem decide, no entanto, se há ou não necessidade de tomar essas medidas é o juiz.

Firmiane Venâncio lembra que, após ajuizar a ação, a Defensoria Pública ainda acompanha o caso, atuando em parceria junto à rede de proteção à mulher, que inclui Delegacia de Apoio à Mulher - DEAM, Ministério Público, Secretaria de Trabalho, Emprego e Renda - SETRE e Vara da Violência Doméstica. "Nossa obrigação é promover a atenção integral à assistida, trabalhando de forma articulada. Em casos onde o impedimento da separação da mulher se dá em virtude de uma dependência financeira, por exemplo, verificamos o perfil da assistida e a encaminhamos à SETRE, onde ela passará por cursos de qualificação que vão garantir sua empregabilidade. Se for um caso de necessidade urgente de afastamento do lar, também encaminhamos à Casa de Abrigo (local onde as mulheres em situação de risco são acolhidas)", explicou a defensora.

CONSEQUÊNCIAS DA VIOLÊNCIA

A OMS apontou que 38% das mulheres vítimas de homicídio no mundo foram mortas por seus parceiros, e 42% das vítimas de violência física ou sexual praticada pelo parceiro sofreram lesões como consequência. Elas também estão sujeitas a maior incidência de problemas de saúde agudos e doenças sexualmente transmissíveis. Segundo o estudo, as mulheres que sofrem violência de seus parceiros são uma vez e meia mais propensas a ter sífilis, clamídia ou gonorreia. Em algumas regiões, incluindo a África subsaariana, elas têm 1,5 vezes mais probabilidade de serem infectadas com o vírus da Aids. Mulheres que sofrem agressões e abusos de maridos ou namorados também apresentam problemas de saúde comuns como ossos quebrados, contusões, complicações na gravidez, depressão e outras doenças mentais.

Anualmente, mais de cinco milhões de reais são gastos no Brasil pelo Sistema Único de Saúde, com internamentos de mulheres vítimas de violência. Cerca de 40 mil delas buscam o sistema para outros tratamentos decorrentes dessa prática.
Em um comunicado que acompanha o relatório produzido, a diretora-geral da OMS, Margaret Chan, alertou para a necessidade de medidas de combate à violência. "Estes novos dados demonstram que a violência contra a mulher é muito frequente. Necessitamos intervir de maneira urgente na prevenção para enfrentar as causas subjacentes a este problema mundial de saúde da mulher".
A OMS tem emitido orientações para os profissionais de saúde sobre como ajudar as mulheres que sofrem violência doméstica ou sexual. Ela salienta a importância em treinar os profissionais de saúde para reconhecer quando as mulheres podem estar em risco de ser agredida pelo parceiro e saber como agir.

LEI MARIA DA PENHA

No Brasil, após quase sete anos de implantação da Lei Maria da Penha, os números da violência cometida contra a mulher só fazem aumentar. Segundo dados do Mapa da Violência 2012, nos 30 anos decorridos entre 1980 e 2010, foram assassinadas no país mais de 92 mil mulheres - 43,7 mil só na última década. O número de mortes nesse período passou de 1.353 para 4.465, o que representa um aumento de 230%, mais que triplicando o quantitativo de mulheres mortas. A Bahia ocupa a sexta posição em homicídios de mulheres (taxa de 6,1 homicídios para cada grupo de 100 mil mulheres). A média nacional é de 4,6 assassinatos.

Para Firmiane Venâncio, além da responsabilização pela prática da violência contra a mulher como crime, conforme prevê a Lei Maria da Penha, é indispensável implementar e massificar as medidas de prevenção por meio de ações que permitam a mulheres e homens espaços de reflexão e prática de mudança no padrão comportamental adotado por esses atores sociais, bem como o reconhecimento por ambos de que a mulher é sujeito de direitos e não objeto de dominação masculina. "Somente a partir de investimentos nessas duas políticas, de prevenção e repressão à violência contra a mulher, é que poderemos a médio e longo prazo avaliar se ainda vigorará a máxima 'melhor prevenir que remediar', porque, a princípio, remediar apenas tem se mostrado não apenas oneroso, mas, ineficaz", afirma a defensora.

PRIMEIRO SEMESTRE

Apenas no primeiro semestre de 2013, a Defensoria Pública entrou com o pedido de 186 medidas protetivas/ medidas protetivas com alimentos para mulheres vítimas de agressão. 922 ações como pedidos de divórcio, alimentos, entre outras, também foram produzidas neste período. 611 mulheres procuraram o NUDEM pela primeira vez. Outras 579 foram orientadas pelas profissionais do Núcleo por telefone, em razão do medo, dúvida ou receio de pedir ajuda na própria unidade. Em sua maioria vítimas da violência moral e psicológica, elas têm na proximidade com os agressores sua principal característica. Os casos de agressão por parte dos companheiros, maridos ou ex-maridos são os mais comuns.

Pelo trabalho desenvolvido, a Defensoria Pública da Bahia foi convidada a participar do projeto Pensando a Segurança Pública promovido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com a Fundação Getúlio Vargas. A pesquisa, fruto de um convênio entre as duas instituições, tem o objetivo de verificar em três cidades do Brasil - Salvador, Campinas e Vitória - quais as estruturas do sistema de proteção à mulher em situação de violência e fazer um diagnóstico da efetividade da Lei Maria da Penha nestas capitais. A Defensoria baiana foi escolhida como uma das instituições a integrar o projeto por possuir um banco de dados atualizado com diversos números ligados ao tema, como o quantitativo de atendimentos realizados mensalmente, nível de escolaridade das vítimas, grau de parentesco do agressor, natureza da violência, renda familiar, entre outras informações.