COMUNICAÇÃO

Mulheres vítimas de violência obstétrica podem contar com o apoio da Defensoria Pública

30/05/2017 11:41 | Por Luciana Costa - DRT 4091/BA (texto e fotos)
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Em seminário realizado pela Instituição na segunda-feira, 29, foram debatidas histórias de vida e questões sociais e legais nos casos que violam os direitos das mulheres grávidas

O sonho de ter o segundo filho tornou-se um trauma na vida da pesquisadora Fernanda Queirós, 38 anos, após sofrer aborto retido (quando o desenvolvimento do feto ou da placenta é interrompido até a vigésima semana de gestação, ficando retido no útero por mais de 30 dias) e buscar atendimento no Hospital Português, reconhecida unidade de saúde na capital baiana.

Soteropolitana, Fernanda, que atualmente mora nos Estados Unidos e estava em Salvador a trabalho, relatou na segunda-feira, 29, durante seminário promovido pela Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA, ter sido vítima de violência obstétrica praticada por médicos e enfermeiros que a atenderam na noite do dia 24 de maio.

Com sangramento, acompanhada por uma amiga, Fernanda se dirigiu por volta das 22 horas até a emergência do Hospital Português, e, de acordo com o seu relato, o médico que realizou a ultrassonografia tratou-a indelicadamente.

“Ele não me olhou nos olhos, não deu boa noite, não falou comigo. Pensei que estava agindo daquela forma bruta pelo horário, por estar cansado. O que me veio à cabeça foi não confrontar, para que ele não deixasse de realizar o exame”, desabafou Fernanda.  Segundo ela, o médico disse que o bebê estava com 8 semanas e a ultrassom indicava não haver batimentos cardíacos: era um abortamento.

“Isso tudo sem me olhar em nenhum momento”, indignou-se a pesquisadora.

Ainda de acordo com Fernanda, uma médica da mesma unidade hospitalar, ao ler o resultado do exame, também não deu tratamento humanizado, não expressou empatia e nem acolhimento: “Ela falou que tinha que fazer a curetagem para retirar o restante do material, mas sem dar maiores explicações. Tentei explicar que não moro em Salvador, que meu marido não estava comigo no Brasil, perguntei quais eram os riscos do procedimento… – que era algo que ela deveria ter me dito”, comentou.

Somente no dia seguinte, Fernanda foi alertada pela irmã que o que tinha acontecido foi um episódio de violência obstétrica. “Por isso, vim aqui hoje no seminário. Para me informar quais são as medidas judiciais cabíveis para o caso”, acrescentou ela.

Assim como Fernanda, milhares de mulheres no Brasil são vítimas do destrato no período de gestacional sem nem mesmo saber. Estima-se que cerca de 25% das grávidas do país sofram com isso, de acordo com pesquisa da Fundação Perseu Abramo, divulgada no site da Organização Não Governamental (ONG) Artemis, que trata de violência doméstica e obstétrica.

Para denunciar e contar com a Defensoria Pública do Estado da Bahia nos casos de violência obstétrica, você pode ligar pelo 129; ou procurar diretamente o Núcleo de Defesa da Mulher – Nudem, da Especializada de Proteção aos Direitos Humanos, na sede da Instituição (no 3° andar do Edf. MultiCab Empresarial, nº 3.386 – Sussuarana, Salvador).

 

Desrespeito com gestantes

A violência obstétrica, que pode ocorrer tanto na gestação como no parto, pós-parto ou em situações de abortamento, é o desrespeito à mulher, seu corpo e seus processos reprodutivos. Pode acontecer através do tratamento desumano, da transformação de processos naturais do parto em doença, da medicalização (uso abusivo de medicamentos), negando às mulheres a possibilidade de decidir sobre seus corpos.

Além da mulher, a violência obstétrica pode ocorrer com o bebê e com seus familiares, podendo causar danos físicos, psicológicos e sexuais.

“É um tema muito difícil de ser trabalhado, até mesmo pelas instituições públicas. O seminário permite colhermos experiências de quem atua na área, e nós queremos construir um material informativo junto com os participantes”, disse a diretora da Escola Superior da Defensoria Pública – Esdep, Firmiane Venâncio.

 

Especialistas em direitos da mulher 

“Existem diversos estudos que comprovam que a mulher adoece mais. Apesar de viver mais tempo do que o homem, vive mais tempo doente. E isso se dá por uma série de fatores sociais. Trabalhamos muito mais, sofremos mais preconceito, somos mais exigidas no ambiente de trabalho, entre outras coisas”, esclareceu a diretora jurídica da ONG Artemis, Ilka Teodoro, durante o seminário.

Coordenadora do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública de São Paulo, a defensora Ana Rita Prata destacou a forma como a instituição iniciou a atuar na área: “Elaboramos material informativo com linguagem acessível para que as mulheres entendam os seus direitos e possam exigi-los. Promovemos também capacitações para que os servidores da Defensoria detectem essa demanda, que pode chegar de forma indireta”, explicou Prata.


Maternidades Públicas

A coordenadora de enfermagem do Centro de Parto Normal Marieta de Souza Pereira, localizado no Centro Espírita Mansão do Caminho, Maria Suzana Montenegro, apresentou o trabalho realizado pela organização do Centro: “Temos como princípio a assistência humanizada ao parto, voltada para satisfazer os interesses da mulher e da família”, disse.

Localizada à Baixa de Quintas, a Maternidade Tsylla Balbino foi apresentada pela diretora geral, Rita Calfa. A unidade hospitalar conta com especialidades de ginecologia clínica e cirúrgica; obstetrícia clínica e cirúrgica; neonatologia e unidade intermediária neonatal. Em nível ambulatorial, oferece consultas de pré-natal a gestantes adolescentes, gestantes de risco habitual, médio e alto risco, consulta de ginecologia, entre outros.


Campanha de enfrentamento

Um dos resultados do seminário  foi a construção, durante o evento, do conteúdo do material informativo que será utilizado na campanha de enfrentamento à violência obstétrica. Com a colaboração dos participantes, as defensoras Viviane Luchini e Roberta Braga e o defensor público Rodrigo Assis, atuantes no Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria baiana, a publicação será feita com linguagem acessível, de maneira didática,  para esclarecer ao público o que é, como se caracteriza esse tipo de violência, como denunciar, entre outras questões.