COMUNICAÇÃO
“Vocês são a esperança do preso”, diz autor e ex-presidiário a defensores em formação
Com biografia de sobrevivência e superação, Luiz Mendes toma o próprio exemplo para defender caminhos para ressocialização dos presos
Antes de conhecer sobre sua vida, quem o escuta não pode imaginar a trajetória de sobrevivência e superação pela qual ele já passou. Hoje escritor e professor, Luiz Mendes viveu quase 32 anos cumprindo pena na prisão.
Na tarde desta segunda-feira, 23, ele esteve na Escola Superior da Defensoria Pública do Estado da Bahia contando um pouco de sua história para os defensores públicos em curso de formação, além de servidores e estagiários.
“Acredito e defendo a ideia de que é possível a recuperação do presidiário. Sou a prova viva. Estou há quinze anos aqui fora e fui bandido mesmo. Pratiquei uma série de assaltos, latrocínio, dois homicídios na cadeia, entende? Mas, de dentro da cadeia e autodidata, fui também o primeiro colocado geral no vestibular da PUC-SP em 1982”, disse Luiz.
Inquieto e vítima de um pai que constantemente o agredia, Luiz contou que abandonou sua casa aos 11 anos para perambular nas ruas de São Paulo onde ainda adolescente passou a se envolver com a prática de crimes. Com pouco mais de 18 anos, foi preso após uma troca de tiros que acabou com um policial ferido. Relatou que sofreu sessões de tortura da polícia antes de seguir para o presídio. Lá, em legítima defesa, acabou matando outro presidiário e passando por diversas situações de violência. Praticamente analfabeto, foi incentivado a ler por um colega de cárcere que lhe contava histórias como as de “Os Miseráveis” do escritor francês Victor Hugo.
“Quando comecei a ler, depois de 5 minutos já estava com dor nos olhos, depois de 10 minutos me dava dor de cabeça, meia hora era dor no corpo todo. Mas com o tempo, passei a ler de 10 a 12h por dia. Eu só queria fazer aquilo, entender tudo. Li os mais diversos clássicos da literatura. Filosofia então, li dos pré-socráticos até os de hoje em dia. Gosto de Sartre e Simone Beauvoir, me reconheço como um existencialista”, comentou.
Hoje autor de diversos livros, entre os quais “Memórias de um sobrevivente” e “Confissões de um homem livre”, Luiz colabora como colunista de periódicos como a revista Trip e outros veículos de mídia. Para os defensores, ele dirigiu uma mensagem particular.
“Quero realmente dizer isto para vocês. Vocês são a esperança do preso. Ele vê em vocês um caminho para a liberdade. O preso é um infeliz, alguém que não teve chance de ser útil para a sociedade como vocês tem. Ele vive acorrentado à lógica da sobrevivência crua, por isso pensa que precisa enganar. Mas o preso adora quem age com ele com educação, quem o respeita, quem não mente para ele, quem não o olha com preconceito e não o toma como uma pessoa inferior e burra”, assinalou Mendes.
Para o defensor público Wellington Lisboa Ribeiro, a narrativa de Luiz ajuda na importante tarefa de conhecer e escutar o ponto de vista do preso e aponta para a necessidade de enfrentar as desigualdades de acesso às oportunidades que são produtoras de um sistema carcerário insensível.
“A gente trabalha com a dogmática e, se ter a vivência diária da questão, não se conhece como é a visão dos presos com relação a nós defensores, com relação ao Estado, que é a partir de onde podemos contribuir para ajudar na, entre aspas, ressocialização. As desigualdades nas oportunidades de educação, de saúde, da própria atenção e criação da família, que persistem na nossa sociedade, vai desaguando no sistema carcerário quase como uma política habitacional para pobres. O sistema carcerário vai reproduzir isto e também seguir tratando estas pessoas como apenas mais uma”, considerou Lisboa.