COMUNICAÇÃO

VOZES POP RUA: “a pandemia escancarou um problema social que existe há tempos e não há alternativa para a saída das ruas”, diz Laercio Santos

13/10/2020 17:21 | Por Tunísia Cores - DRT/BA 5496

Dirigente nacional da Frente Nacional de Luta Campo e Cidade, na Bahia, Laércio Santos passou cerca de oito anos nas ruas e hoje

Considerado por si como um lutador a favor das minorias, Laércio Santos é dirigente nacional da Frente Nacional de Luta Campo e Cidade na Bahia, um movimento que busca a reforma agrária, visa assegurar os direitos sociais e também atua em prol do trabalho, da moradia, da terra e da liberdade.

Entrevistado desta edição da série Vozes Pop Rua, Laércio Santos conta que passou cerca de oito anos na rua, mas conhecer o Movimento Nacional da População de Rua foi fundamental para compreender que se tratava de uma situação momentânea, não permanente. Na opinião do dirigente, a pandemia agravou e expôs problemas já existentes, como a falta de acesso a questões básicas para a sobrevivência.

 

Você já teve vivência como pessoa em situação de rua. O que provocou isso?

Sim, eu já estive em situação de rua. Comecei quando tive que sair do bairro onde morava por questões do uso de substâncias psicoativas.  A partir daí, fui morar em ocupações no centro de Salvador e, toda vez que tinha reintegração de posse, tínhamos que dormir na rua.

 

Laércio Santos é dirigente nacional da Frente Nacional de Luta Campo e Cidade na Bahia

Por quanto tempo você ficou na rua e quais foram as dificuldades enfrentadas?

Entre idas e vindas, fiquei na rua por uns oito anos. As dificuldades são todas – acesso aos serviços básicos de higienização pessoal, a existência da violência policial, discriminação por parte de instituições que prestam serviços para pessoas em situações de rua, além de dificuldades junto às comunidades, por acharem que todos são drogados e não verem a humanidade nas pessoas.

 

Você recebeu apoio de alguém ou de algum órgão público neste período? Que tipo de apoio encontrou?

Sim, o primeiro apoio que recebi foi de Luiz Gonzaga, do Movimento População de Rua, que me apresentou à companheira e eterna Maria Lúcia Santos Pereira da Silva [fundadora e ex-coordenadora do Movimento Nacional de População de Rua da Bahia, falecida em 2018, aos 51 anos]. Quando vi que existiam pessoas que estiveram em situação de rua e conseguiram sair para lutar, aprendi a lutar pelos meus direitos, a entender que a rua era uma situação e não uma eternidade. Também tive muito apoio do pessoal da Biblioteca Gonçalo Moniz, da Faculdade de Medicina da Bahia, e de algumas pessoas que trabalharam no Corra pro Abraço, as quais me motivaram.

 

 Como você conseguiu sair da situação de rua?

Através da sede do movimento tive acesso à internet e lá comecei a enviar currículos online.  Comecei fazer trabalhos diários em hotéis de Salvador até ser contratado por um grande hotel em Salvador. Daí, a companheira Maria Lúcia conseguiu um lugar para eu morar no Calabar (Barra), chamada Casa Mãe Gentil. Então, as portas foram se abrindo comecei a ser mais militante até ser chamado para fazer a luta pela Reforma Agrária.

 

Hoje, você desenvolve ou faz parte de alguma iniciativa voltada para ajudar pessoas que vivenciam a mesma experiência de não ter uma moradia? Caso sim, pode contar mais sobre isso?

Hoje eu sou dirigente nacional na Bahia da Frente Nacional de Luta Campo e Cidade, movimento este fundado por José Rainha, que luta por reforma agrária e urbana e também atua na defesa dos direitos sociais. Trabalhamos em prol da terra, do trabalho, da moradia e da liberdade. Dentro da Frente Nacional, estamos com a Frente Social Povo da Rua, que começa a discutir nos espaços de controle social a luta por direitos para as pessoas em situação de rua.

Nós estamos organizados em estados como Alagoas, Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, São Paulo, Sergipe além do Distrito Federal. Outros seis estados ainda estão se organizando: Amapá, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Tocantins.

*Foto tirada antes da pandemia

Quais têm sido os principais desafios enfrentados pela população de rua durante esse período de pandemia, em sua opinião?

Olha, é complexo, porque o desafio existe desde antes, há anos que passamos por isso. A pandemia do Coronavírus escancarou um problema social que existe há anos e não temos uma alternativa em forma de leis para a saída das ruas. Com a pandemia, o assistencialismo apareceu mais, a violências e violações de direitos ficaram mais expostas e houve a hipocrisia que é mandar ficar em casa quem nem casa tem.

 

No seu caso, houve algum momento particular que foi mais difícil ou desafiador? Como essa questão foi solucionada, quais apoios você encontrou?

O maior desafio é precisar provar toda hora, todos os dias, a sua honestidade, sua capacidade intelectual e ter que mostrar à sociedade que não é marginal, mas, sim, foi marginalizado por um estado que nega os direitos e nos coloca nas ruas. As pessoas que mais me apoiaram foram dos movimentos sociais, principalmente o Movimento Nacional População de Rua, com a companheira Maria Lúcia sempre nos dizendo que seríamos capazes de chegar aonde queremos.

 

*Fotos com aglomeração foram tiradas antes da pandemia

 

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Produção: Tunísia Cores
Produção Gráfica: Antonio Félix
Edição e revisão: Arthur Franco e Vanda Amorim