COMUNICAÇÃO
VOZES POP RUA – Depois de 16 anos em situação de rua Renildo Silva usa experiência para coordenar MNPR na Bahia
Coordenador estadual e de Feira de Santana do Movimento Nacional da População de Rua monitora projetos sociais, leis e a política para garantir direitos que faltam à população em situação de rua
Compartilhar os saberes aprendidos junto ao Movimento Nacional da População de Rua – MNPR e, principalmente, ao longo dos 16 anos vividos em situação de rua, é um dos aprendizados obtidos por Renildo Silva ao longo da sua trajetória. Hoje integrante da coordenação na Bahia do MNPR, o entrevistado desta edição da série Vozes Pop Rua forma lideranças no município de Feira de Santana.
Em seu dia a dia, Renildo Silva, conhecido como Renny, monitora projetos sociais, acompanha as leis e a política com o objetivo de garantir educação, saúde, cultura, lazer, entre tantos outros direitos que faltam à população em situação de rua. Durante a pandemia do Coronavírus, observou o agravamento de vulnerabilidades em Feira de Santana, desafios encontrados no acesso à moradia e à saúde, mas também destacou iniciativas coletivas de solidariedade em prol das pessoas.
Com a entrevista de Renny Silva, chega ao final a série Vozes Pop Rua, produzida pela Assessoria de Comunicação em parceria com o Núcleo Pop Rua da Defensoria Pública do Estado da Bahia.
Você já teve vivência como pessoa em situação de rua. O que provocou isso?
Eu tive uma vivência em situação de rua. Eu passei pela perda da minha avó e depois eu fui adotado como filho de uma família, mas sempre me perguntava o porquê de ter sido adotado. Daí, quando completei 25 anos, eu fui parar na rua.
O que provocou a minha ida para as ruas foi eu não ter recebido o acolhimento de uma família. Eu nunca fui acolhido verdadeiramente. Primeiro, perguntava o porquê de eu ter sido dado a outra família para ser criado e, muitas vezes, quando fazia essa pergunta para mim mesmo, eu não tinha resposta. Foi nessa situação que eu vivi e até hoje não tenho respostas.
Por quanto tempo você ficou na rua e quais foram as dificuldades enfrentadas?
Eu vivi na rua por quase 16 anos, passei por todo tipo de dificuldade. Primeiro, para conseguir alimento, que eu não tinha, e precisei catar resto de coxinha, pastel, comidas em geral. Muitas vezes os restaurantes não davam alimentos, negavam dizendo que não queriam um morador de rua por perto. Às vezes, eu achava os restos na lixeira. Então, a maior dificuldade que eu tive de enfrentar foi a alimentação. Em segundo lugar, eu não tinha abrigo, nem onde ficar. Hoje que estão existindo abrigos, casas de passagem, mas na minha época não tinha nada disso. Começou a existir há pouco tempo.
Você recebeu apoio de alguém ou de algum órgão público neste período? Que tipo de apoio encontrou?
Depois de um bom tempo, eu conheci alguns estudantes que estavam fazendo estágio no movimento social e disseram que existia uma equipe chamada Centro Pop. Da última vez que fui nesse lugar, me mandaram ir para um centro de recuperação. Fiquei um bom tempo e depois recaí de novo e acabei não tendo nenhum resultado, pois toda hora eu saía e tinha recaída.
Depois de um tempo, eu tive problema de saúde. Quando eu comecei a sair das ruas, o único apoio que recebi foi de casa de passagem, mesmo que com muita pressão. Na época que eu estava com tuberculose e morei lá durante seis meses com a doença, depois de tanto brigar para conseguir a minha casa; tinha que ir para o aluguel social.
A minha caminhada toda para garantir direitos foi pela Defensoria Pública, onde eu ganhei um processo de três anos para ter minha própria casa. Realmente os defensores reconheceram que eu tinha possibilidade de receber meus benefícios, como o Minha Casa minha vida, o CadÚnico e pressionou o Centro Pop para me garantir esse direito.
Como você conseguiu sair da situação de rua?
Os apoios que recebi foram da própria Defensoria, a única instituição pública que me deu bastante atenção. Também recebi apoio do próprio movimento social, que me orientou sobre as coisas que eu tinha garantia de direito. E depois eu encontrei algumas pessoas de igreja que têm contato com a população em situação de rua. Todos esses suportes que eu tive foram muito importantes para mim.
Eu tracei três metas na minha vida: a primeira era conseguir uma renda, uma forma de ganhar dinheiro, depois conseguir construir a minha casa, além de estudar para poder melhorar meu desempenho e fazer faculdade. Até o momento, já consegui uma renda e uma casa.
Hoje, você desenvolve ou faz parte de alguma iniciativa voltada para ajudar pessoas que vivenciam a mesma experiência de não ter uma moradia? Caso sim, poderia contar mais sobre isso?
A minha iniciativa é fazer parte de uma liderança. Eu estou na coordenação estadual do Movimento Nacional da População de Rua na Bahia e também estou na coordenação municipal, aqui em Feira de Santana, até que alguma pessoa de rua tenha empoderamento para assumir esse cargo.
Hoje, eu faço todo monitoramento e acompanho todo o processo de projetos sociais ligados à população em situação de rua, na política, observando as leis. Busco a garantia de direitos com base na Constituição Federal de 1988, que são a moradia, educação, cultura, lazer, direito de ir e vir, entre outros.
O objetivo é estar sempre atuando em prol do movimento e transmitindo as minhas experiências, palestrando às vezes, falando sobre como vivi na rua. Foram 16 anos, não dias. É uma troca de saber, porque eu venho também da escola de Paulo Freire, que fala que o saber não é só para mim, mas para que as pessoas possam entender e aprender.
Quais têm sido os principais desafios enfrentados pela população de rua durante esse período de pandemia, em sua opinião?
Em meu município, o maior desafio é não ter abrigo para todos. Houve um abrigamento temporário na pandemia. Diziam “fique em casa” e eu me perguntava “como é que eu estou em casa hoje, depois da minha experiência de rua? Meus irmãos vão ficar aonde? Se o Poder Público e os governantes estão dizendo que é para ficar em casa, onde as pessoas em situação de rua ficarão?”.
No seu caso, houve algum momento particular que foi mais difícil ou desafiador? Como essa questão foi solucionada, quais apoios você encontrou?
O nosso maior desafio foi esse nesse período de pandemia. Ver que nenhum representante da área de saúde aqui, no município, tenha feito algum plano de ação para poder atender a população de rua. Nem um projeto, nenhuma atividade. Eles foram em alguns lugares, mas nada permanente. As pessoas estão desabrigadas e, muitas delas, não sabem nem o que é pandemia, o que é Covid-19.
Vejo que a pandemia foi um grande desafio para as pessoas do Brasil inteiro, mas em Feira de Santana a situação foi bem difícil. Eu me sentia impotente para solucionar a questão dos meus irmãos, sem ter nenhum recurso para acolher a população de rua durante a pandemia. Houve um apoio muito grande neste momento, que foi a criação de uma rede alternativa com a participação de muitos militantes, apoiadores, grupos religiosos, para tocar projetos que trabalhassem com a população em situação de rua. Foi muito boa a união para enfrentar esse desafio.
Leia a série completa do projeto Vozes Pop Rua