Ouvidoria Cidadã propõe aos candidatos à Prefeitura de Salvador diretrizes para a construção da cidade a partir do antirracismo
Por Tunísia Cores - DRT/BA 5496
Documento entregue na última quarta-feira, 4, foi elaborado com base no Seminário “Direito à cidade a partir de uma política antirracista”
Candidatos e candidatas à Prefeitura de Salvador receberam da Ouvidoria Cidadã da Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA diretrizes e proposições para construir uma cidade com maior equidade racial em termos de acesso aos espaços e oportunidades. Entregue durante o debate realizado na última quarta-feira, 4, pela Associação Bahiana da Imprensa – ABI em parceria com a Ordem dos Advogados da Bahia – OAB-BA, o documento foi originado a partir do Seminário “Direito à Cidade a partir de uma política antirracista”, realizado em setembro de 2020.
“O direito à cidade é o direito à vida na cidade. Nessa perspectiva, o conceito sendo recolocado na realidade brasileira passa indissociavelmente pelos processos de racialização das cidades, inserida na problemática de como o racismo as constrói e como as cidades produzem o racismo. Portanto, não se pode separar a luta pelo direito à cidade da luta antirracista, da mesma forma que não se pode separar a luta antirracista da luta pela democracia. Ambas passam indissociavelmente pela luta do direito à vida”, diz o documento.
O material foi elaborado pelo Grupo de Trabalho pelo Direito à Cidade, da Ouvidoria Cidadã da DPE/BA, formado por lideranças dos movimentos sociais – tais como o movimento negro, ambientalista e sem teto – além de pesquisadores e professores da Universidade Federal da Bahia, Universidade do Estado da Bahia e Universidade Católica de Salvador.
São propostas ainda reflexões acerca dos fatores históricos que levaram a população negra à exclusão ou à segregação – tais como o modelo de exploração da terra e da mão de obra desde a época colonial, o neoliberalismo e o modelo desenvolvimentista conservador herdado dos governos militares do país.
Há destaque para cinco pontos centrais da problematização da violência que acomete diariamente a população negra por conta do racismo. São eles: o fato de as cidades modernas serem embasas em uma sociedade colonial e escravocrata; a invisibilização da população negra ao tratarem ou retratarem as cidades brasileiras, sempre subordinada a categoria de classe, a um problema de desigualdade social, um problema econômico entre ricos e miseráveis; o confinamento e a precariedade histórica dos lugares ocupados por negros nas cidades brasileiras; o protagonismo negro na produção, construção e funcionamento das cidades brasileiras; além da emergência da terminologia e da defesa política dos bairros negros enquanto território negro por excelência.
A ouvidora-Geral da Defensoria da Bahia, Sirlene Assis, também dialogou na ocasião com os presidentes da Associação Bahiana de Imprensa e da Ordem dos Advogados da Bahia, Ernesto Marques e Fabrício Oliveira, respectivamente.
“Pude estreitar as relações com ambos no sentido de realizarmos algumas iniciativas em parceiras no próximo ano. Por meio da entrega do documento e dos diálogos firmados, considero importante agradecer por essa oportunidade de ecoar vozes que pertencem não só aos movimentos sociais, por meio da Ouvidoria e da Defensoria Pública, mas também a todos os participantes do nosso seminário sobre o direito à cidade a partir de uma política antirracista”, afirmou Sirlene Assis.
Diretrizes para uma cidade antirracista
O documento diz ainda que a existência negra na cidade se deu por laços de solidariedade, cooperação pautadas na noção de ancestralidade e coletividade em seus territórios. É, portanto, a partir deles que a cidadania deve ser construída por meio de uma política de promoção da vida fundada em sete diretrizes. Confira abaixo:
1ª Diretriz
Deve-se construir e implementar políticas públicas de apoio para consolidação, fortalecimento e desenvolvimento de ações já existentes nos terreiros de candomblé, afoxés, blocos afro, associações de bairros negros, grupos de capoeira, de samba, congregações religiosas protestantes e católicas negras, que mobilizem, ampliem e integrem redes de atuação nas áreas de saúde, educação, cultura, lazer, geração de emprego e renda, apoio aos pequenos empresários negros e de cooperativas negras, promoção do associativismo negro, assim como a formação, qualificação e capacitação profissional de jovens e adultos nos bairros negros.
2ª Diretriz
Deve-se garantir a existência física dos territórios e bairros negros, para a sua reprodução material, social e cultural. Essa política da vida passa também, por outra mazela da escravidão, a Lei de Terras de 1850, que impossibilitou o acesso dos negros libertos, alforriados e aos ex-escravos após a abolição, realidade que perdura tanto no campo quanto na cidade, o que torna a regularização fundiária nos bairros negros algo fundamental e urgente, possibilitando a posse da terra e a propriedade habitacional seja ela individual quanto coletiva, contra ações de expulsões sistemáticas em locais de valorização imobiliária, ou processos de mais valia do solo urbano;
3ª Diretriz
Deve-se realizar investimentos no saneamento básico dos bairros negros, no que tange a instalação de esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, rede de drenagem de águas pluviais e coleta de lixo, pois implica diretamente na saúde coletiva das populações negras nos bairros negros, assoladas e acometidas sistematicamente por doenças oriundas da falta saneamento básico;
4ª Diretriz
Deve-se implementar no Plano Setorial de Habitação do município e no PDDU, as diretrizes de habitação preconizadas no Estatuto da Igualdade Racial pautados princípios de projetos participativos, com abrangência urbana, e respeito as singularidades e particularidades das populações negras locais;
5ª Diretriz
Deve-se garantir a mobilidade, o acesso e a comunicação entre os bairros negros através dos sistemas de transportes públicos hoje centrados em modais urbanos que conectam os bairros negros as áreas centrais de serviços e trabalho, numa lógica de deslocamento casa grande e senzala, não propiciando uma mobilidade e comunicação entre os bairros negros. Conexão fundamental para potencializar os laços e projetos de cooperação institucionais entre os territórios negros;
6ª Diretriz
Deve-se promover a segurança da população negra dos bairros negros, sobretudo, dos seus segmentos mais vulneráveis: jovens negros, mulheres negras, e crianças negras com ações socioculturais, de projetos para primeiro emprego de jovens, promoção de construção de espaços públicos, de lazer e cultura;
7ª Diretriz
Deve-se estabelecer o foco étnico-ambiental-religioso das áreas de preservação ambiental da cidade, pois além de seu caráter ambiental, constituem com suas fontes, riachos, árvores, plantas sagradas e medicinais a biblioteca e espaços sagrados do povo-de-santo, dos templos religiosos de matrizes africanas, os terreiros de candomblé, que são a alma da cidade do Salvador.